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Os Atletas

Hypolito lidera ginástica após drama, diagnóstico precipitado e boatos sobre sexualidade

Gustavo Franceschini
Em São Paulo

Daniele Hypolito abriu o caminho. Daiane dos Santos foi a primeira superestrela. Mas foi Diego Hypolito quem elevou a ginástica brasileira ao patamar atual. Assim como suas contemporâneas, protagonizou a ascensão do esporte e dramas pessoais ao longo da carreira. Um trauma familiar, um diagnóstico precipitado, boatos sobre sua sexualidade e a inesquecível falha das Olimpíadas de 2008 ajudaram a forjar o herói olímpico que hoje, aos 25 anos, não só representa como briga pelos direitos da geração que adicionou uma modalidade no imaginário coletivo brasileiro. .

A história de Diego com a ginástica é longa e conta com alguns momentos difíceis. Paulista de Santo André, apesar do forte sotaque carioca, ele começou no esporte por influência da irmã Daniele, dois anos mais velha, que treinava no Sesi da cidade do Grande ABC.

Quando a família toda mudou-se para o Rio de Janeiro a convite do Flamengo, Diego foi junto e passou a viver a ginástica mais de perto. Os pais mudaram radicalmente o estilo de vida para seguirem Daniele Hypolito, pinçada pela técnica Georgette Vidor como grande promessa.

A família instalou-se em um apartamento fornecido pelo clube rubro-negro.  Daniele, Diego e Edson (primogênito da família) tinham bolsa em uma escola particular da região, custeada pelo clube, mas nenhuma folga financeira em uma época em que os pais ainda não tinham trabalho fixo no Rio.

"Eu conversei com o vice-presidente de esportes olímpicos do Flamengo na época, e ele se dispôs a dar do bolso dele R$ 1 mil por mês para eles sobreviverem. Era pouco, mas como eles não tinham muitos custos, eles conseguiram ficar assim até se acertarem. Como eu morava no mesmo prédio, eu acompanhei várias conquistas deles, como o primeiro computador. Lembro o quanto eles ficaram felizes com aquilo”, conta Georgette Vidor.

Quando estava com 11 anos, Diego viu um drama do esporte acontecer dentro de sua casa. Em 1997, o ônibus que levava a delegação de ginástica do Flamengo para uma competição em Curitiba bateu forte na via Dutra. Daniele Hypolito, que estava no veículo, saiu ilesa, mas sua técnica, Georgette Vidor, ficou paraplégica e não voltou a andar. A amiga e colega de equipe Úrsula Flores, irmã do jogador de futebol Roger, também sofreu com as sequelas e deixou a ginástica.

O acidente não fez Diego desanimar, assim como as dificuldades que vivenciou logo após sua chegada ao Rio de Janeiro. O choque mexeu com a família, mas não impediu que os dois seguissem no esporte.

As dificuldades do caçula aumentaram quando, na adolescência, uma dor nas costas virou uma ameaça ao seu futuro profissional. Diego recebeu o diagnóstico de doença de Scheuermann, um transtorno causado pela carga excessiva de peso imposta ao seu físico ainda em desenvolvimento que pode afetar a coluna vertebral e ocasionar uma má postura. Para evitar o agravamento, ele teria de abandonar a ginástica, segundo o primeiro médico que consultou.

"Foi aí que ele veio me procurar. O que nós fizemos foi uma fisioterapia importante e aos poucos conseguimos recuperar. Lembro que o Diego ficou fora do Campeonato Brasileiro daquele ano. Eu dizia para ele que Brasileiro é que nem Carnaval, tem todo ano. Depois de quatro meses ele voltou, e no ano seguinte foi campeão brasileiro”, revela Robson do Bem, até hoje médico responsável pela carreira do ginasta.

REVEJA MOMENTOS DE DIEGO HYPOLITO

  • Jonas Oliveira/Folha Imagem

    Com o cabelo maior, em 2005, ano em que venceu seu primeiro título mundial no solo, em Melbourne

  • Caio Guatelli/Folhapress

    No momento mais tenso de sua carreira. Favorito, Diego errou e perdeu a medalha de ouro olímpica

O doutor já era conhecido da família a esta altura. Ex-funcionário do Flamengo, ele cuidou da recuperação de Georgette Vidor e teve contato direto com os jovens Hypolito. Depois desse episódio, virou médico de toda a família, amigo de Diego e consultor informal.

Ali, depois da superação do susto inicial, começou a trajetória de sucesso do primeiro grande destaque masculino da ginástica brasileira. O título simbólico, porém, só vale mesmo para a comparação entre os homens.

Antes de virar um expoente, ele viu sua irmã conquistar a primeira medalha brasileira em um Mundial de ginástica – prata no solo em Ghent (Bélgica), em 2001. Daiane dos Santos, outra estrela da geração, foi a primeira a levar um ouro na competição - solo em Anaheim (EUA), em 2003 -, também antes da ascensão de Diego.

Em 2004, aos 19 anos e depois de alguns bons resultados, o ginasta finalmente conseguiu mostrar que era mais que o irmão caçula de Daniele. Venceu sua primeira etapa da Copa do Mundo competindo em casa, no Rio de Janeiro. O título geral da mesma competição viria pela primeira vez no fim do ano, dando início a uma sequência que lhe garantiria dois títulos mundiais e a medalha de ouro pan-americana em 2007.

A competição na cidade que o acolheu foi um de seus grandes momentos no esporte. Diego tornou-se conhecido, virou esperança de medalhas e passou a estrelar comerciais e atuar como garoto-propaganda, sempre com desenvoltura.

“Ele fala muito bem em público, sabe se colocar. Ele é muito profissional nesse sentido. Sempre se saiu muito bem nessas coisas”, avalia Bruno Chateaubriand, empresário e conhecido socialite que já foi ginasta e empresário de Diego até 2008 (“hoje a carreira dele anda sozinha”, diz o antigo mentor).

O pico seria em 2008. No auge da forma física e técnica, chegou a Pequim como o grande favorito à medalha de ouro no solo nos Jogos Olímpicos, a despeito de ter feito uma artroscopia no joelho direito e ter sofrido com uma dengue meses antes da competição. No movimento final, no entanto, caiu e terminou com o modesto sexto lugar.

“Mudei muito a maneira de agir referente à minha carreira depois que passou a Olimpíada. Mais do que ninguém eu queria ter tido aquele resultado. Eu senti muito apoio. Muitas pessoas achavam que eu queria desistir. Mas não, foi só mais um obstáculo na minha vida”, diz Diego.

Tenho de ter uma atitude de atleta profissional. Não estou sendo polêmico. Quero mostrar qual é a realidade do esporte. Eu me policio, tomo muito cuidado. Não quero ofender ninguém, mas quero que entendam como está acontecendo

Diego Hypolito, falando sobre o papel de líder que assumiu no esporte.

“Eu por acaso liguei e fui um dos primeiros a conversar com ele depois do que aconteceu, ainda no ginásio. Ele estava chorando muito. As câmeras viram, o Brasil todo contava com aquilo. Eu falei: ‘para de chorar. Agora tem 2012, tem 2016. Tem de focar, aprender com o que aconteceu’”, conta Chateaubriand.

Diego diz ter superado a fase em que colocava excessiva cobrança em si mesmo. Segundo ele, hoje encara a Olimpíada como “uma competição como outra qualquer”. Isso não significa, porém, relaxamento nos treinos. O ginasta revela uma rotina pesada de seis horas de treino diárias, intercaladas com sessões de fisioterapia.

Além disso, ainda faz concessões em sua vida pessoal. Para concentrar-se em sua preparação para as grandes competições, largou a faculdade de educação física. O tratamento que recebia nas aulas, no entanto, também pesou.

“O que eu achava muito difícil é que os professores não entendiam que eu treinava o dia inteiro. Ou o professor me cobrava muito, ou ele me ajudava muito. Não gosto de ser foco na faculdade. Isso me deixava um pouquinho constrangido”, conta o ginasta.

A relação com o público, aliás, tem sido complicada nos últimos tempos. Apesar de valorizar bastante o carinho dos fãs e torcedores, ele estranha o tratamento que recebe da imprensa de celebridades. “As pessoas transformam um atleta em um artista e confundem as situações. Eu não tenho que ficar dando justificativa do que eu faço fora do treino. O que eu penso é que estou muito bem para a ginástica”, disse Diego em janeiro deste ano, ao UOL Esporte. Na época, ele tinha protagonizado uma polêmica. Em um show da cantora Preta Gil, foi fotografado ao lado do ex-BBB Serginho, homossexual assumido.

“Aquilo foi dos maiores absurdos do mundo”, lembra Bruno Chateaubriand. “Ele foi a um show da Preta Gil, que gosta muito dele. Eu estava com ele, no camarote. Ele estava parado em uma sacada, o BBB foi pro lado dele e se aproveitou de uma situação. Eu me dava bem com o Serginho e parei. O garoto se aproveitou daquela situação. Ele [Diego] ficou bastante chateado”.

Apesar de não ter gostado da repercussão, Diego disse não ter se abalado com os boatos sobre a sua sexualidade. A maturidade para lidar e falar abertamente sobre o tema é a mesma que o fez protestar, recentemente, contra a Confederação Brasileira de Ginástica (CBG) em seu Facebook.

Diego reclamou abertamente do fato de não receber o salário integral da seleção brasileira. A parte proveniente da Caixa não chega ao atleta do Flamengo por ele vestir a marca de um banco rival, o BMG, em competições nacionais. O imbróglio entre os bancos fez com que o ginasta adotasse uma postura de liderança e, principalmente, crítica.

“Eu pensava de uma maneira que eu considero errada. Eu me preocupava muito com o ‘se’. Se eu falar isso, posso machucar aqui e ali. Mas eu não me preocupava comigo. Eu ficava decepcionado com as atitudes das pessoas comigo e me preocupava demais em não magoar as pessoas. Eu tenho de ter uma atitude de atleta profissional. Não estou sendo polêmico. Quero mostrar qual é a realidade do esporte. Eu me policio, tomo muito cuidado. Não quero ofender ninguém, mas quero que entendam como está acontecendo”, explica Diego.

Seu alcance dentro do esporte já lhe permite uma postura deste tipo. Pronto para a sua segunda chance em Olimpíadas, Diego é cauteloso ao falar do seu calendário. O Mundial de ginástica, em outubro, no Japão, é tratado como prioridade por dar vaga a Londres-2012 ("primeiro vou tentar a vaga, depois a medalha"). Na sequência, ele vai a Guadalajara para o Pan, onde terá a chance de buscar o bi e iniciar o caminho ao ouro olímpico que pode ratificar sua condição de herói do esporte.

Diego Hypolito
Diego Hypolito
  • http://pan.uol.com.br/2011/herois-brasileiros/diego-hypolito.htm
  • Herói Brasileiro: Diego Hypolito
  • 21/11/2024
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Medalhas

  • País
    Ouro
    Prata
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    Total
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    CUB 58 35 43 136
    BRA 48 35 58 141

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