Alexandre Sinato
Em São Paulo
As bonecas ficavam de lado. Fabiana Murer gostava mesmo era de videogame. O Atari que marcou a infância de uma geração era um dos passatempos favoritos e revelou o que a saltadora faria no futuro: no clássico console, adorava o jogo de atletismo e quebrou muitos controles pelos movimentos repetitivos exigidos. Hoje campeã mundial, ela saltava com vara, pelo menos virtualmente, desde pequena.
“Ela gostava muito de videogame, daquele Atari. A Fabiana ficava um bom tempo naquele jogo das competições de atletismo, competindo no decatlo. A última prova, dos 1.500 metros, detonava o controle. A gente quebrou alguns. Ela era a melhor de casa”, relembra Vanderlei, pai da saltadora.
Na vida real, o interesse pela modalidade demorou. Em Campinas, sua terra natal, Fabiana teve uma infância agitada. Boa aluna mesmo não gostando de estudar fora da escola, passou nove anos se dedicando à ginástica artística. Andou muito de bicicleta, arriscou-se no handebol e foi convidada a entrar na natação, como as irmãs, Fernanda e Flávia.
“No handebol ela tomava muito gol, não saía direito para fechar o ângulo. Na natação, em vez de nadar como as irmãs, gostava de ficar na beira da piscina pulando, dando mortal”, conta Vanderlei. O negócio dela era pular, mas ninguém imaginava que seus saltos chegariam a 4,85 metros, marca que lhe rendeu a medalha de ouro no Mundial de Daegu, feito inédito do atletismo brasileiro.
Elson Miranda não costuma falar de sua relação conjugal com Fabiana Murer, mas abriu uma exceção ao UOL Esporte. "O que eu posso falar dela? Ela é uma benção. Uma pessoa maravilhosa e uma das mais incríveis que conheci. Fora que ela é bonita. Além de ser minha esposa, companheira, ela me possibilitou realizar o sonho de ser campeão mundial", elogiou. O maridão ainda revelou o que a amada faz nos momentos de lazer. "Ela gosta de ver filme e TV, ouvir uma boa música e ficar com os amigos. E de descansar. Mas ela sai para curtir restaurantes e para conhecer a cultura de um lugar novo".
Mesmo quando vai falar do lado pessoal, Elson Miranda volta as atenções para o lado profissional. Para ele, é o que tem interesse público. Como treinador, ele define a atleta como a mais técnica do mundo. "Só vi o Sergei [Bubka] saltar melhor do que a Fabiana. O que ela fez nesse Mundial foi incrível. Ela compensa que não tem tanto no físico na técnica. Uns técnicos russos me falaram em Daegu: 'uma das coisas boas desse Mundial é ver sua atleta saltar'. Ela encantou e ganhou o apelido de Cinderela".
A entrada de Fabiana no atletismo tem dois responsáveis. Seu pai, que viu no jornal um anúncio de um teste que aconteceria em Campinas, e Elson Miranda, seu atual técnico e marido. Afinal, depois de aprovada, Fabiana não se animou a ir treinar. “Como ela fazia ginástica, não estava querendo ir para o atletismo. Então eu disse pra ela ir lá e falar que não iria fazer atletismo, porque não era para ficar enrolando as pessoas. A Fabiana foi e o Elson a convenceu”, diz Vanderlei.
Mas o começo no atletismo não foi dos mais empolgantes. É o relato de Sergio Coutinho Nogueira, um dos responsáveis pelo projeto de atletismo em Campinas. “No começo a Fabiana não gostava do atletismo, não gostava de fazer, seu pai que a ‘empurrava’. Isso levou uns seis meses, depois ela tomou gosto e viu que tinha talento”, afirma Sergio, padrinho de casamento da saltadora e diretor da BM&F, seu atual clube.
Fabiana desistiu da ginástica porque ficou alta demais para os aparelhos. No entanto, ela só fez a troca depois que começou a se destacar no atletismo. Sua professora de ginástica, inclusive, descobriu que a aluna fazia atletismo antes de seus treinos quando viu uma foto num jornal da região: ela estava no pódio. “A Fabiana ficou em segundo lugar no salto em distância em uma competição em Valinhos e a professora viu a foto no jornal”, afirma seo Vanderlei.
Os saltos começaram cedo. Os primeiros eram no trampolim, devido à ginástica. Fabiana ganhou até um trampolim próprio feito pelo pai. Ela passava horas pulando em frente sua casa, caindo em colchões improvisados. Quedas não amedrontaram a atleta. Tanto que o primeiro salto relacionado ao esporte que pratica hoje foi com uma vara de bambu em um tanque de areia. Apesar de ser “espoleta”, como define seu pai, pouco se machucou. Vanderlei lembra de apenas uma lesão.
“A Fabiana nunca teve uma fratura. Só uma vez ela caiu em pé no salto com vara e torceu o pé, teve que imobilizá-lo. Ela era nova, ainda morava em Campinas. Eu a carregava na chegada da escola e os amigos ajudavam na saída. Foi no Ibirapuera. Ela caiu e ficou no chão. Voltou para Campinas reclamando o caminho todo”.
Fabiana, atualmente, não é de reclamar muito. Seus companheiros de treino a definem como uma pessoa extremamente positiva e alegre. Os sorrisos são frequentes. As lágrimas mostram que ela é emotiva, mas são mais raras. “Já vi a Fabiana chorando umas duas vezes no treino, quando não conseguiu fazer o que estava sendo cobrado. A gente se cobra muito, é normal”, argumenta Thiago Braz, jovem saltador que treina com a campeã mundial.
NA CASA DA SOGRA Ainda adolescente e morando em Campinas, Fabiana ia para São Paulo treinar na pista do Ibirapuera, em melhor condição. Para isso, saía do interior na sexta-feira à noite, acompanhada do técnico Élson Miranda, e dormia na casa da mãe do treinador. Anos se passaram e a antiga anfitriã acabou se tornando sua sogra. "O Élson vinha na sexta dar o treino em Campinas, almoçava na minha casa com outros técnicos e depois a Fabiana ia com eles para São Paulo, onde dormia na casa da mãe do Élson", relembra Vanderlei. | |
NA ALEGRIA E NA TRISTEZA As pessoas que cercam Fabiana a definem como uma mulher reservada, companheira e educada. E no trabalho não é diferente. A jornalista Heleni Felippe acompanhou toda sua carreira e hoje é sua assessora de imprensa. Ao definir a saltadora, a mensagem é clara: uma cliente exemplo. "A Fabiana é suave, serena e exemplar. É uma cliente cinco estrelas. Ano passado, quando foi eleita a atleta do ano pelo COB, acho que ela respondeu a mesma pergunta umas 50 vezes, sempre educadamente. E quando ela perde é a mesma coisa, a Fabiana não foge do resultado negativo. Fica brava, claro, mas encara a adversidade e liga na derrota para explicar", afirma Heleni. | |
"SALÁRIO" PARA OS MAIS NOVOS Fabiana não ajuda outros saltadores apenas com dicas e conselhos. A campeã mundial já tirou dinheiro do seu bolso para colaborar com jovens que tentaram a vida no atletismo. Pequenas cifras saíam mensalmente de suas economias. "Quando ela começou a ganhar melhor, passou a investir em alunos novos, dando uma espécie de salário para os atletas, uma ajudinha em dinheiro. Acho que até hoje ela faz isso", comenta Sergio Coutinho Nogueira, padrinho de casamento e diretor de atletismo. |
Ela também tem um lado mãezona. Os 30 anos de vida e os 14 de salto com vara lhe ensinaram coisas que agora ela repassa aos mais jovens. São dicas e truques aos montes, aprendidos com apuros passados. O maior deles foi a perda de uma vara na final das Olimpíadas de 2008, cena que ficou gravada na memória de muita gente.
“A Fabiana já disse, por exemplo, para levar a sapatilha que usamos para correr sempre na bagagem de mão para não ter perigo caso a mala atrase. E a cola que usamos na mão é melhor despachar, pois não é possível embarcar com líquido na bagagem de mão. Ela me falou isso e mesmo assim esqueci, acabei perdendo a cola. Sempre conversamos disso”, diz Thiago.
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