Cartolagem sofreu na criação da Lei de Incentivo ao esporte, que viu seu poder diminuir aos poucos
A Lei de Incentivo ao Esporte, que surgiu em 2007 como uma das válvulas de escape para o esporte nacional, gerou R$ 498 milhões para o setor no período. Um balanço do benefício mostra que as confederações esportivas o aproveitam muito menos do que poderiam e, de quebra, ainda veem surgirem alternativas ao seu domínio atual.
O momento para a avaliação é importante. Os Jogos Pan-Americanos, em outubro, devem ser o primeiro grande evento influenciado pela Lei de Incentivo, que chegou a ser usada nas Olimpíadas de 2008, mas ainda não tinha sido muito utilizada até aquele momento.
O valor total captado é divulgado pelo próprio Ministério do Esporte, em seu site oficial. Entidades sem fins lucrativos interessadas no benefício elaboram projetos de alto rendimento, educacionais ou de esporte de participação e encaminham à pasta comandada por Orlando Silva.
Empresas interessadas investem nos projetos, deduzindo até 1% de seu imposto de renda. Pessoas físicas também podem fazê-lo, e a porcentagem pode chegar até 6%. O Ministério do Esporte autoriza o investimento de R$ 400 milhões por ano, mas sabe que o número está longe de ser atingido.
Desde 2007, quando a lei tornou-se funcional, foram aprovados 1,3 mil projetos. Destes, somente 657 conseguiram captar algum recurso. A diferença pode ser explicada pela falta de preparo tanto dos proponentes quanto do mercado, ainda desacostumado à possibilidade de investir via Lei de Incentivo.
“A gente pode dizer que a lei se consolidou e tornou-se uma alternativa no esporte. Nós temos uma curva de crescimento de investimento muito expressiva. Começamos com R$ 50 milhões captados em 2007 e esperamos chegar a R$ 250 milhões no fim de 2011”, disse Ricardo Capelli, coordenador do programa da Lei de Incentivo do Ministério do Esporte, que avalia que 789 mil pessoas foram beneficiadas.
Só que, apesar do otimismo do governo e do mercado, a análise dos números do benefício mostra dados sintomáticos. Do total do montante captado (R$ 468 milhões), 70% fica em São Paulo ou Rio de Janeiro. As ONG’s recebem 65% desse montante, contra 10% de clubes sociais e apenas 10% das confederações esportivas brasileiras.
Considerando-se que só as ONG’s relacionadas a ex-atletas recebem 24% do total, significa dizer que os esportistas usam mais o benefício que os dirigentes. Exceção, a Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA) elogia o projeto e aconselha seus pares a seguirem o mesmo caminho.
“A direção nos disse que o Bradesco [patrocinador da entidade] tinha pedido para investir via Lei de Incentivo e pediu para a gente pensar em projetos. Todos já teriam como captar. Nós apresentamos algumas frentes. Eu apresentei, por exemplo a liga de pólo aquático. Eu aconselharia [a outros dirigentes]”, disse Ricardo Cabral, diretor da modalidade dentro da CBDA.
Só que ao mesmo tempo em que pode solucionar problemas, a Lei de Incentivo também pode ser uma ameaça aos cartolas. Por diferentes motivos, entidades da iniciativa privada ou mesmo os próprios patrocinadores têm elaborado projetos sem a participação direta das confederações, o que diminui a importância e o poder destas e também do COB, comandado por Carlos Arthur Nuzman.
O maior exemplo é o projeto da Petrobras, que pretende investir R$ 20 milhões anuais em boxe, esgrima, remo, taekwondo e levantamento de peso. O Instituto Passe de Mágica, da ex-jogadora de basquete Magic Paula, é quem “assina” o projeto na Lei de Incentivo ao Esporte e gere a verba da estatal. A execução é das respectivas confederações, mas estas prestam contas diretas aos parceiros.
A Vale também tem uma iniciativa parecida, investindo mais de R$ 10 milhões para descobrir talentos em natação, atletismo e judô. Já a Confederação Brasileira de Tênis (CBT) fez uma parceria com o Instituto Gustavo Kuerten para que Guga e Larri Passos descubram talentos para o esporte em uma estrutura em Florianópolis.
Goarn Sablic (foto), chegou ao Brasil por conta do benefício. O técnico croata estava no Pinheiros e passou a comandar a seleção por meio de um projeto da CBDA.
"O Pan de 2011 vai ser o primeiro teste dele. Os outros eventos foram de nível mundial e nunca esperamos nada muito expressivo. Já houve alguns avanços com relação a planejamento. Até agora o custo benefício tem valido a pena", disse Ricardo Cabral, diretor de pólo aquático da CBDA.
Paula evita tirar conclusões precipitadas sobre o impacto do benefício, mas mesmo com algum otimismo entende que o modelo apoiado em ONG’s também precisa melhorar.
“No nosso caso, é uma conversa com três partes. Tem a nossa estrutura, o patrocinador e a confederação, que é quem executa. Precisa haver uma mudança na mentalidade na própria gestão das confederações. A confederação não tem a estrutura que eu tenho aqui. Tem de profissionalizar. Esse é um ponto importante. Ela não faz porque ela não pode pagar. São entidades que não têm recursos para pagar quem está ali trabalhando”, disse Paula.
A ex-atleta, no entanto, aponta alguns avanços nos esportes com os quais trabalha atualmente. O esgrimista Renzo Agresta, por exemplo, saltou de 54º do ranking mundial para 39º, enquanto o lutador de taekwondo Diogo Silva foi de 11º para 4º lugar. Paula prefere não entrar no mérito de por que as confederações estão sendo preteridas no processo. As outras fontes ouvidas pela reportagem, no entanto, comemoram a descentralização das verbas.
“Tem de haver uma divisão de recursos. As confederações não são responsáveis pelo fomento. Se o dinheiro não puder chegar aos clubes, se não tiver outras formas de aumentar a prática, não pode ficar tudo com a confederação”, disse Ricardo Cabral, responsável pelo pólo aquático na CBDA.
“Acho isso ótimo. O que eu tenho discutido é que quero mais das empresas. Temos um desafio que é qualificar a gestão esportiva”, disse Ricardo Capelli, homem-chefe de Lei de Incentivo ao Esporte no Ministério.
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