Atletas de tiro lutam para afastar a imagem do esporte da violência
O massacre de Realengo complicou, e muito, a vida dos atiradores brasileiros que vão para o Pan de Guadalajara. Não bastasse a eterna luta por patrocínio, os praticantes de tiro sentiram aumentar o bullying contra o esporte que escolheram.
“O Brasil tem preconceito contra o tiro. Uma coisa que deixou muito claro isso foi o caso daquele marginal que entrou na escola e matou as crianças. Como ele foi tratado? Atirador de Realengo. Mas ele não era atirador. Ele era maníaco, assassino”, reclama o gaúcho Bruno Heck, que vai ao Pan para disputar três provas de carabina.
"Falta conhecimento em relação ao esporte. Não tem nada a ver com violência, nada a ver com bang-bang" Stênio Yamamoto | "É um esporte que sofre muito preconceito, por ter tiro, por ter arma. O pessoal tem muito receio de patrocinar" Karla de Bona |
O problema é ainda maior quando alguém busca apoiadores para se manter do esporte. “Ninguém patrocina tiro. Atirador no Brasil é o cara que atira em criancinha. Não é esporte. Se você chegar pra qualquer instituição dizendo que é atirador, vão perguntar: ‘você mata criancinha?’ Ninguém quer ligar sua empresa ao tiro”, desabafa Wilson Zocolote Júnior, das provas de skeet.
Nesse cenário, não é difícil achar atiradores reclamando da falta de dinheiro. Um caso emblemático é o do dentista Stênio Yamamoto, que disputou as Olimpíadas de Pequim-2008 e vai para seu terceiro Pan em 2011.
“Dependo do meu trabalho, sou a principal fonte de renda da minha casa. Quando vou competir, fico fora do consultório e as contas do mês não fecham. Se fico fora 10 dias, o orçamento de dois ou três meses fica comprometido. Ninguém paga esse prejuízo”, conta.
"Herói mesmo é o Stênio, que abdica das horas livres para treinar. Para mim é fácil, o expediente é no estande de tiro" Ana Ferrão | "Para os Jogos Mundiais tivemos um salto na qualidade do tiro. As forças armadas deram um apoio muito grande em equipamento e munição" Bruno Heck |
Quem acaba se beneficiando com isso são os atiradores militares. Da equipe que vai ao Pan, dez deles são membros das Forças Armadas e, com isso, tem acesso facilitado a instalações para treinamento e munição. É o caso de Ana Luiza Ferrão, que já está classificada para as Olimpíadas de Londres-2012.
“Eu participo de competições militares e tenho mais tempo de treino e mais apoio com munição. Com os Jogos Mundiais Militares no Rio, tive ainda mais apoio para treinar. Quem é civil não tem como deixar o seu trabalho durante tanto tempo pra se dedicar. Herói mesmo é o Stênio, que abdica das horas livres para treinar. Para mim é fácil, o expediente é no estande de tiro”, analisa a major do Exército.
As facilidades militares acabam gerando inveja nos civis. “Para eles é muito mais fácil comprar material. Um cano de fuzil resiste a uns 5mil tiros. No Exército, usam o equipamento em seis meses. Para nós, o cano custa US$ 400 no exterior e, para trazer para o Brasil, é um processo burocrático lento e muito difícil. Fica tudo mais caro. Com munição acontece a mesma coisa. Tem de importar da Europa e só podemos trazer cinco quilos”, diz Bruno Heck.
Em 7 de abril, por volta de 8h30, Wellington Menezes de Oliveira entrou na escola Tasso da Silveira, em Realengo, dizendo que iria apresentar uma palestra. Já em uma sala de aula, o jovem de 23 anos sacou a arma e começou a atirar contra os estudantes. Wellington deixou uma carta com teor religioso, na qual orientava como queria ser enterrado. O ataque, sem precedentes na história do Brasil, foi interrompido após um sargento da polícia balear Wellington na perna. De acordo com a polícia, o atirador se suicidou com um tiro na cabeça após ser atingido. Wellington portava duas armas e um cinturão com muita munição. Doze estudantes morreram - dez meninas e dois meninos - e outros 12 ficaram feridos no ataque. |
* Com reportagem de Júlio Delmanto
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