EUA questionam naturalizações do polo brasileiro: moralmente discutível

Bruno Doro

Do UOL, em Toronto (Canadá)

  • Satiro Sodré/SSPress

    Josip Vrlic, croata naturalizado brasileiro, é o centro de uma discussão sobre importação de talento no polo aquático

    Josip Vrlic, croata naturalizado brasileiro, é o centro de uma discussão sobre importação de talento no polo aquático

Josip Vrlic nasceu na Sérvia e está defendendo o Brasil no Pan-Americano de Toronto. No ano que vem, o plano verde-amarelo é fazer do jogador, um gigante de 1,96m e 120kg, o melhor atleta de sua posição dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro.

Esse plano, porém, não tem agradado muito as superpotências. Principalmente o melhor time das Américas. Após a estreia do Brasil em Toronto, uma convincente vitória sobre o Canadá por 11 a 9, a seleção dos EUA criticou as naturalizações brasileiras.

O Pan é o primeiro grande teste para o time que o croata Ratko Rudic está montando. Primeiro, o carioca Felipe Perrone foi convencido a trocar a Espanha, seleção com a qual chegou a uma final de Campeonato Mundial e disputou duas Olimpíadas, pelo país natal. Depois, dois europeus, o espanhol Adria Delgado e o italiano Paulo Salemi, aceitaram defender a pátria dos pais. O próximo passou foi acelerar a naturalização do cubano Ives Gonzales, casado com uma brasileira.

A polêmica fica por conta da cereja no bolo. O processo de naturalização de Vrlic, o sérvio do início desse texto, também foi acelerado. Ele e o goleiro sérvio Slobodan Soro, campeão mundial em 2011, se tornaram brasileiros em maio. Soro ainda cumpre a quarentena esportiva exigida pela Fina (Federação Internacional de Esportes Aquáticos) para a troca de nacionalidade esportiva. Vrlic já está liberado. Estava na piscina no inédito bronze do Brasil na Liga Mundial. E na estreia no Pan.

"Não tenho comentários sobre isso. Está nas regras, não é ilegal", começou o técnico dos EUA, o sérvio Dejan Udovicic. Ele, porém, não se conteve. Mesmo sem ter sido perguntado sobre o lado ético dessas naturalizações, ele admitiu que não considera o assunto positivo. E ainda pediu limites para o processo. "Agora, se você me perguntar se é bom do ponto de vista esportivo e moral? Isso é discutível. Esportivamente, para o desenvolvimento do esporte e o ganho de competitividade, pode até ser um processo positivo. Agora, se você olhar do ponto de vista moral, já não tenho certeza. Acho que o esporte precisa tomar decisões e traçar uma linha bem definida sobre esse assunto",

Foi praticamente o mesmo que Tony Azevedo, nascido no Rio de Janeiro, mas capitão da seleção norte-americana, falou. Ele foi convidado para trocar de país e não aceitou. "Eu sou brasileiro, tenho amigos jogando na seleção. Para mim, Felipe Perrone e Ives Gonzales são brasileiros. O Felipe, nem precisa dizer. E o Ives é casado com uma brasileira. Isso é normal. Mas, em geral, o esporte não se beneficia com as naturalizações. Olimpíada serve para desenvolver o esporte. O ideal é você chegar com um time cheio de brasileiros. Essa coisa de comprar jogadores lá fora é contra o espírito olímpico. Agora, não é contra as regras e muitos outros países já fizeram isso. Itália Fez, Austrália fez. Se todo mundo faz, porque o Brasil não pode?", resume o jogador.

A defesa dos brasileiros é simples. Para Felipe Perrone, que liderou esse processo, o caso é fácil de responder. "O caso do Adria, do Paulo e do Ives é simples. Eles são brasileiros de direito. Sobre o Josip e o Soro é possível discutir. Agora, temos um projeto muito bem pensado. E, no Brasil, você precisa de resultados imediatos para manter uma ideia viva. E esse foi o caminho encontrado para vencer a curto prazo. Não é o ideal, mas é o que conseguimos fazer. E só de treinar com esses jogadores, todos estão evoluindo, dentro da seleção".

Essa opinião é dividida por outros países. Técnico do México, Raul de la Peña nasceu na América do Norte, mas disputou duas Olimpíadas pela Alemanha. "Na época, o México não tinha chance nenhuma de se classificar para os Jogos Olímpicos. E esse era o meu objetivo de vida. Então, a naturalização foi o caminho que eu encontrei. Fui bem acolhido e fiz parte da geração mais vitoriosa do polo alemão. Acho que esse processo traz crescimento esportivo para os dois lados. Você tem jogadores em busca do sonho olímpico que, em seus países de origem, não teriam chances nas seleções, e países que vão crescer esportivamente com esses atletas de alto nível".

A opinião é a mesma de Carlos Herrera, comandante da Venezuela. "Se eu tivesse a possibilidade, faria o mesmo. É válido para todos os esportes. Desenvolve a modalidade e dá chance aos atletas. Importados ou não, todos os atletas devem ter a chance de disputar grandes eventos".

O Brasil, porém, está sofrendo nos bastidores com essa decisão. Antes da Liga Mundial, em que o Brasil bateu a Croácia, campeã olímpica, pela primeira vez na história, alguns países europeus reclamaram da nacionalização do goleiro Soro. Com isso, ele acabou fora do time brasileiro durante toda a temporada. Antes do Pan, foi a vez de Cuba discutir a naturalização de Ives Gonzales. Com ou sem polêmica, o Brasil ganhou respeito dos adversários. E, no Pan, as potências já começam a se incomodar com isso.

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