Os 17 anos da sangrenta ditadura militar encabeçada por Augusto Pinochet custaram muito ao Chile. Três mil pessoas foram executadas durante o regime. Os direitos humanos sofreram inúmeras violações desde o golpe aplicado sobre o governo do socialista Salvador Allende, em 1973, até o fim da ditadura, em 1990.
O esporte não ficou à margem dos acontecimentos políticos. Tanto que o Chile deixou de sediar duas edições dos Jogos Pan-Americanos. Temendo a visibilidade que a competição daria ao país, a Junta Governamental instalada pelo militares, dois dias depois do golpe, determinou a suspensão do Pan em Santiago marcado para 1975 (foi sediado no México).
Escolhido para receber também a edição de 1987, o Chile mais uma vez se recusou, em nova decisão de Pinochet. Das três mil mortes decorrentes da ditadura, duas delas ganham destaque pela relação direta com o esporte. Militante do MIR (Movimento da Esquerda Revolucionária), o
ciclista Sergio Tormen, campeão nacional, foi preso e dado como desaparecido em 1974 por agentes da Dina, a polícia política da ditadura.
Cinco anos mais tarde, no Pan de San Juan (Porto Rico), Richard Tormen, irmão de Sergio, faturou duas medalhas no ciclismo. Dedicou o ouro por equipes ao ente desaparecido. Outro irmão, Peter, também relembrou a memória de Sergio anos mais tarde, em 1987, ao conquistar a Volta do Chile e falar do caso ao vivo para as emissoras de televisão.
Em 1974, Peter tinha 15 anos e estava com o irmão Sergio quando foram levados pelos agentes da Dina. O militante do MIR, então, prometeu revelar informações em nome da liberdade de seu irmão. O pedido foi atendido. Antes de partir, Peter notou que Sergio estava bastante ferido. Foi o último da família a vê-lo com vida.
Outro esportista vítima do regime de Pinochet foi o boxeador amador Wagner Salinas. Campeão nacional entre os pesados e segurança do presidente deposto Allende, Salinas foi capturado no episódio conhecido como “Caravana da Morte”, comboio do Exército que percorreu o país prendendo e vitimando opositores.
Além de não sediar o Pan por duas vezes, o Chile ainda viu seu desempenho cair de maneira considerável na competição durante o regime imposto pelo general Pinochet. Nos Jogos pré-ditadura, o país ostentava média superior a 16 medalhas por edição. Durante o período sangrento, o número caiu pela metade. Terminado o regime autoritário, a média voltou a subir, atingindo 15 medalhas. Atualmente, o Chile é considerado o país mais estável economicamente da América Latina e a democracia mais transparente da região.