Se o desempenho do Pan-Americano fosse medido em índices sociais e não em medalhas, o Haiti seria o lanterninha disparado. Com 95% da população com origem africana, os haitianos ostentam as marcas de 47% de analfabetismo e 71,65 mortes a cada 1000 crianças até um ano. Números sem parâmetros na América.
O Haiti foi o segundo país das Américas a se tornar independente em 1804, só atrás dos Estados Unidos (1776). As duas nações, porém, tiveram destinos bem diferentes, um como o mais rico e outro como o mais pobre do continente
Outro recorde para os haitianos: quase dois séculos de guerra e disputa no poder. O que explica a tamanha pobreza e descaso com a população. O Haiti passou para as mãos dos franceses no final do século 17. Os 100 anos seguintes foram de prosperidade graças à exportação de café e açúcar. Depois disso tudo mudou.
Guerras entre escravos e dos franceses infernizaram a ilha. Já independente, na segunda metade do século 19 ao começo do século 20, vinte governantes sucederam-se no poder. Desses, 16 foram depostos ou assassinados. Depois de algumas intervenções norte-americanas, a ONU (Organização das Nações Unidas) escolheu o Brasil para chefiar a missão de paz no país.
Desde 2004, o exército brasileiro chefia quase 6500 soldados de várias partes da América. Tudo motivado por um princípio de guerra civil. Desta vez, o então presidente Jean-Bertrand Aristide entrava em conflito sangrento com a aposição. Nada surpreendente para um país que teve Papa Doc e Baby Doc como ditadores durante décadas.
Além de mandar soldados, o governo Lula fez uma parceria no esporte. A primeira medida foi levar a seleção brasileira, de Ronaldo e Ronaldinho, para a capital Porto Príncipe para uma partida amistosa. Festas nas ruas, carreatas, comoção geral do povo. A bem sucedida empreitada deu origem a um acordo entre os dois países no esporte. Só em janeiro de 2007, o governo brasileiro liberou R$ 81,3 milhões para ajudas as tropas e investir na prática esportiva por lá. Há alguns projetos para crianças e para presidiários, mas
o país-sede do Pan não contribuiu para a preparação dos atletas de ponta do país.
A relação Brasil-Haiti, mais próxima e complexa desde 2004, já acontecia em dois pontos. No futebol, afinal, os haitianos são apaixonados pela seleção brasileira. E na religião, com o candomblé brasileiro e o vodu haitiano bebendo da mesma origem africana.
Com rituais de sacrifício, sangue e espíritos, o vodu é sempre relacionado a algo mágico, inexplicável. Tão inexplicável quanto alguns resultados de esportistas haitianos. Vindos de um país sem estrutura, alguns deles têm um bom destaque no cenário mundial.
Jogador do Philadelphia 76ers há quatro temporadas na NBA, o pivô haitiano Samuel Dalembert é um dos mais bem sucedidos. Ele não vai ao Pan, mas é um caso de sucesso no esporte profissional no país. Porém, foi o velocista Dudley Dorival que conseguiu o maior feito do país. Depois da medalha de ouro nos Jogos da América Central e Caribe em 2002, ele ficou em terceiro no Mundial de atletismo nos 110 m com barreiras. No Pan de 2003, correndo na vizinha República Dominicana, Dorival foi quinto. Com 31 anos, sua participação no Rio de Janeiro ainda é incerta.
Se Dorival é o craque mais recente, o mais famoso é o saltador Silvio Castor. Ele tem a única medalha haitiana em Jogos Olímpicos, na longínqua Amsterdã em 1928. A medalha de prata no salto em distância rendeu fama e deu nome ao estádio da capital haitiana, que recebeu a seleção brasileira no recente amistoso de 2004.