UOL Esporte - Pan 2007
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04/06/2007 - 09h37

À véspera do Pan, diplomacia do esporte com Haiti é esquecida

Antoine Morel
Em São Paulo

No ano em que o Brasil sedia os Jogos Pan-Americanos, arcando com R$ 3,6 bilhões em infra-estrutura para o evento, o Haiti foi esquecido e não ganhou nenhuma assistência das anfitriões para poder atuar no Rio em julho. O cenário atual é bem diferente daquele de três anos atrás, quando o governo federal deslocou a seleção de futebol dos Ronaldinhos para Porto Príncipe para agradar os fanáticos torcedores caribenhos.

REEDIÇÃO DO DUELO DE 2004
Reuters
Os haitianos lotaram as árvores para ver a seleção brasileira no país
Arquivo Folha
Exército brasileiro, de capacete azul da ONU, ganhou com o amistoso
A festa foi tão grande em 2004 que as autoridades do Haiti fazem questão de reeditar o confronto contra o Brasil no futebol. Desta vez, sem as estrelas das seleção principal. "O presidente do Haiti perguntou se a seleção sub-17 não poderia vir aqui para um amistoso", conta o embaixador Paulo Cordeiro.

Até hoje, o Brasil enfrentou o Haiti três vezes: um 9 a 1 nos Jogos Pan-Americanos de Chicago-1959; um 4 a 0 em amistoso em Brasília em 1974 (gols de Edu, Marinho Chagas, Paulo César Caju e Rivelino); e o 6 a 0 de três anos atrás.

A seleção do Haiti sub-17 está prestigiada no país. Classificada para o Mundial da categoria em agosto na Coréia do Sul, o time pega a Nigéria, França e Japão na primeira fase. Já o Brasil enfrenta o Inglaterra, Coréia do Norte e Nova Zelândia.
Apesar do relacionamento cada vez mais estreito entre as autoridades por causa da liderança brasileira na Missão de Paz da ONU, o governo nada fez pelo esporte de alto nível do país mais pobre das Américas.

"Não tivemos nenhuma ajuda do Brasil para o Pan", disse ao UOL Esporte o secretário-geral do Comitê Olímpico Haitiano, Jean Edouard Baker. O próprio ministro Orlando Silva Jr. (Esporte), em visita oficial de seu colega haitiano, Fritz Bélizaire, em março de 2007, mostrou que o país não é prioridade agora: "O Haiti é um dos países que terão prioridade para uma cooperação futura".

O Haiti não tem muita tradição nos pódios do Pans. Foram seis medalhas ao todo na história dos Jogos, a primeira (um bronze) conquistada na estréia da "Olimpíada das Américas", em Buenos Aires-1951.

Metade do medalheiro haitiano (três medalhas) foi conquistado em 2003, na vizinha República Dominica (os dois países dividem a ilha Hispaniola). Naquele ano, o país ainda vivia sob a batuta do presidente Jean-Bertrand Aristide. Os conflitos armados no interior só começaram no ano seguinte, quando o presidente era acusado de corrupção e repressão violenta. Aristide deixou o Haiti em fevereiro, quando o país estava à beira da guerra civil.

Uma intervenção norte-americana foi logo sucedida por uma ação coordenada pela ONU, tendo à frente o Brasil, que estava em forte campanha para ser membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Logo em agosto de 2004, o Brasil quis criar laços com a população haitiana no mesmo momento em que assumia o comando da missão da ONU nas ruas do país armando um jogo dos sonhos para os caribenhos: a idolatrada seleção brasileira jogaria com o Haiti, em pleno Porto Príncipe. Foi uma ação diplomática entre a força de segurança, que controlam militarmente o país, e a população miserável que venera o futebol brasileira desde o seleção foi tricampeã mundial em 1970, identificando-se com os craques negros como Pelé.

Os astros brasileiros desfilaram em carro aberto (na verdade, blindados do Exército), com mais de um milhão de haitianos lotando as ruas da capital local. Três anos depois, a história e a estratégia mudaram. Depois de algumas investidas armadas a bairros antes tomados por rebeldes, a Missão de Paz já não é vista com tanta simpatia pelas pessoas, que já não vê a intervenção militar brasileira como algo tão pacífico. Os Jogos Pan-Americanos seriam, então, a chance do governo Lula apaziguar as relações.

Porém, não parece ser esse o intuito desta vez. "Eu sei que o Comitê Olímpico Haitiano e o Comitê Olímpico Brasileiro têm se falado. Só não sei a natureza da ajuda. O que sei é eles [os haitianos] estavam esperando um pouco de ajuda do Ministério do Esporte", confirma o embaixador do Brasil no Haiti, Paulo Cordeiro, que ressalta a importância da competição para povo local: "Eles vêem a participação no Pan como algo importante. Representa o retorno do Haiti à normalidade".

A atual indiferença brasileira nada lembra o esforço de levar à seleção a Porto Príncipe naquele agosto de 2004. Lula e toda cúpula do governo, incluindo o ex-ministro do Esporte, Agnelo Queiroz, estiveram presentes. Era tanta a preocupação diplomática do Brasil com os anfitriões que o presidente brasileiro até pediu para a seleção pentacampeã não humilhar os rivais, nem goleá-los. Não adiantou. O time de Ronaldo e Ronaldinho venceu por 6 a 0.

O embaixador Cordeiro concorda que o esporte, por meio do futebol naquela ocasião, é uma linguagem entre os brasileiros e os haitianos: "Na Copa do ano passado, uma grande avenida aqui (em Porto Príncipe) foi enfeitada com fitas verdes e amarelas. Eles adoram o Brasil. Depois, até tive que intervir porque o pessoal fez fitas azuis e brancas pela Argentina". Os "do contra" no Haiti preferem seguir os sucessores de Diego Maradona.

Reuters
O time de futebol do Haiti também encarou o Chile, que mantém tropas no país
TUDO SOBRE O HAITI NO PAN
Foi neste intuito que as interações esportivas com a população continuaram. Romário, no final de 2004, fez um jogo contra a seleção do Haiti em Miami junto com seus companheiros da Copa de 1994. Em 2005, o próprio exército brasileiro enfrentou os haitianos e foi goleado. Na época, o próprio Lula elogiava, com suas típicas metáforas boleiras: "Os jogadores não são os únicos craques no Haiti. Vocês [as tropas do exército brasileiro] também estão fazendo um gol de placa". Para se ter uma idéia, o Brasil conta com 1.200 profissionais do exército no Haiti. Ao todo, dezessete nações têm tropas na Missão de Paz.

Para este Pan, o futebol do Haiti não deve estar presente. A única esperança é a desistência do México e Costa Rica, que ameaçam desistir porque querem levar suas equipes no mesmo período para a Copa do Mundo sub-20. A Federação Haitiana de Futebol, porém, desconhece qualquer movimento neste sentido. "Preciso ver com a Concacaf [órgão que manda no futebol da América Central e do Caribe] o que há. Não estamos sabendo de nada", afirma Lyonel Desir, secretário-geral da entidade que comanda o futebol do país.

O boxe e o judô são as esperanças dos esportes olímpicos nos Jogos do Rio. O boxeador pesado Azéa Augustama está confirmado, assim como o também pesado no judô Joel Brutus -medalha de prata no Pan de 2003. Os dois, porém, treinam nos EUA, única saída para atletas de ponta do país. Nas palavras do embaixador brasileiro, dá para se ver que o próprio comitê haitiano reconhece que há falta de apoio e investimento. "Eles precisam muito de apoio nesta área. O presidente do comitê olímpico é, apesar das dificuldades, um entusiasta", afirmou Cordeiro.