A borracharia do seu Zé Luiz estava funcionando normalmente, mas estava vazia. A loja de plantas de Wilmar Júnior também, sem nenhum cliente na manhã inteira. Quem passasse naquela rua do bairro de Campo Grande, no subúrbio carioca, dificilmente notaria alguma coisa diferente.
Pois é. Naquele bairro, a poucos metros de distância, estava começando os Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro, a maior competição esportiva da América. Precisamente às 11h15, o juiz peruano C. Vera apitou o início de Argentina e Panamá, do futebol feminino, primeiro evento do Rio 2007, no estádio do Complexo Esportivo Miécimo da Silva, partida vencida pelas argentinas por 2 a 0.
Fora das grades, a vida continava a mesma. Ou quase. Comerciante de 50 anos, Wilmar Júnior tem uma loja de vasos e plantas vizinha ao Miécimo. "O bairro não mudou muito, não. Algumas ruas foram fechadas. E tem mais polícia na rua. Mas é só", conta.
Seu Valdir Alves do Nascimento, de 66 anos, vai mais longe. "Pan? Eu lá vou pagar pra assistir um jogo da Jamaica e ainda ficar com a bunda doendo lá dentro? Tem mais policial hoje aqui fora do que gente na arquibancada", diverte-se, olhando a arquibancada vazia.
Em sua borracharia e lava jato, seu Zé Luiz dos Santos também pouco mudou sua rotina. Mas, em uma das ruas fechadas pelo esquema de trânsito especial do Pan, viu seu movimento diminuir. "Hoje é começo de mês, o pessoal ainda tem dinheiro. Normalmente, umas 15 pessoas passariam por aqui, mas hoje só vieram cinco", conta.
Já dona Gil, que tem um bar na região, resolveu apostar no pan. E perdeu. "Normalmente, abro só depois das 16 horas e fecho quando o último cliente sai. Ontem, fechei às 5h30 da manhã. Mas hoje resolvi testar, por causa desse negócio do Pan. Mas as coisas tão muito fraquinhas", lamenta.
Outra reclamação dos moradores é a escolha dos esportes. "Porque não colocaram um joguinho que fosse do Brasil aqui?", pergunta seu Valdir. "E squash? As pessoas aqui de Campo Grande nem sabem falar isso direito", aproveita Walmir. "O melhor era colocar algo mais atrativo. Quando a Xuxa veio fazer show aqui, tinha fila de sete mil crianças, que chegava na minha porta", completa o comerciante.
A melhor história, porém, quem conta é seu Valdir. Com dentista marcado para esta tarde na Barra da Tijuca, ele está brigando com sua mulher. Ela quer desmarcar a consulta. Ele, não. "Veja só. Ela quer que eu vá com ela ver a tocha do Pan, que passa aqui hoje. Mas, meu filho, você acha mesmo que eu vou deixar de ir ao dentista para ver um fogo mirradinho, quase apagando?"