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19/04/2007 - 09h00

Palco de guerra espera convite ao Rio que não virá

Claudia Andrade*
Em São Paulo

"Seria interessante se a organização dos Jogos Pan-Americanos nos convidasse para competir", afirma o presidente da Associação Esportiva das Falklands, Patrick Watts. Quem não acharia nada interessante o convite seriam os dirigentes olímpicos da Argentina, afinal, para eles, as ilhas do Atlântico Sul se chamam Malvinas e são parte do território do país sul-americano.

Watts sabe bem disso. “Sofreríamos uma grande oposição argentina se tentássemos disputar o Pan, mas nós nunca aceitaríamos participar dos Jogos como argentinos, como eles querem”, respondeu Watts à reportagem do UOL Esporte por e-mail.

A disputa vem desde 1833, quando os britânicos invadiram e colonizaram o gélido território sem população permanente até aquele ano. A tensão desembocou em 1982 na última guerra entre uma nação americana e uma européia.

Há exatos 25 anos, a ditadura militar argentina (1976-1983) decidiu retomar as ilhas para desviar a atenção de uma crise econômica. Mas acabou se rendendo em junho do mesmo ano, o que provocou a queda da Junta Militar e realização de eleições gerais. Do outro lado do Atlântico, Margaret Thatcher chegou ao ápice da popularidade com o triunfo. O saldo de mortos foi de 665 argentinos, 255 britânicos e três kelpers, como são conhecidos os nativos.

AS ILHAS DA DISCÓRDIA
Associação Esportiva das Falklands
Atirador das ilhas participou dos Jogos da Comunidade Britãnica de 2006, sem pódio
AFP
Apesar do clima inóspito, atletas disputam maratona na capital das ilhas, Port Stanley
Crédito
Como na Inglaterra, os esportes de pub são populares, como o dardo, dominó e baralho
Reuters
Com bandeiras, manifestação na Argentina marca os 25 anos do fim do conflito
AFP
Veterano argentino visita cemitério com compatriotas mortos na guerra de 1982
A derrota platina, porém, nunca foi assimilada. As Malvinas estão no mapa, na previsão do tempo e no Pan, já que, para o Comitê Olímpico da Argentina, “a equipe é formada por atletas de todo o país, o que inclui as ilhas”.

As ilhas têm menos de três mil habitantes. No campo esportivo, a modalidade que mais se destaca é, sintomaticamente, o tiro. Eles disputam dois torneios internacionais: os tradicionais Jogos da Comunidade Britânica (o Commonwealth Games) e os Jogos das Ilhas, competição que reúne 25 regiões insulares com menos de 110 mil habitantes.

Nesse evento, os atiradores conquistaram já conquistaram 15 medalhas para as Falklands, incluindo o ouro de Graham Didlick, na edição de 1999, em Gotland, Suécia.

Didlick tem outras quatro medalhas de prata e seis de bronze, sendo o principal representante do tiro nas ilhas. O emblemático é que a Argentina também tem tradição neste esporte, somando 90 medalhas na história do Pan, 20 delas de ouro.

A Grã-Bretanha tem outras seis possessões nas Américas. Três delas também ficaram fora do Pan: Anguilla, Montserrat e Ilhas Turks e Caicos. A França possui quatro territórios ultramarinos na América que estão à margem do Pan: Guadalupe, Guiana Francesa, Martinica e São Pedro e Miguelão. A Dinamarca entra no grupo com a Groenlândia, área de 2,1 milhões de metros quadrados vizinha ao Canadá.

Segundo a Odepa (Organização Desportiva Pan-Americana), entidade responsável pelos Jogos Pan-Americanos, eles não participam “porque não são países independentes e não têm comitês olímpicos reconhecidos pelo Comitê Olímpico Internacional”. Como o Pan segue as regras das Olimpíadas, apenas os 42 comitês das Américas reconhecidos pelo COI são autorizados a participar.

Bermudas, Ilhas Cayman e Ilhas Virgens Britânicas, mesmo com domínio inglês, têm Comitês Olímpicos e, portanto, participam do Pan. O de Bermudas é o mais antigo, reconhecido em 1936. Em 1976, o das Ilhas Cayman se filiou à entidade internacional. O das Ilhas Virgens é o mais recente, de 1982. A partir de 1996, porém, o COI passou a aceitar apenas comitês de “estados independentes reconhecidos pela comunidade internacional.” Ou seja, países com representatividade na ONU (Organização das Nações Unidas).

Colonizados, mas bem-sucedidos

Sem estar qualificada para ter seu próprio comitê olímpico e assim, disputar as Olimpíadas, os Jogos da Comunidade Britânica passam a ser a competição esportiva mais forte para as Falklands. Anguilla, Montserrat e Ilhas Turks e Caicos também participam do evento, realizado a cada quatro anos.

Já a Groenlândia participa independentemente de eventos internacionais só com suas seleções de handebol, modalidade em que a metrópole Dinamarca é uma das potências internacionais. Em 2007, no Mundial masculino, a Groenlândia ficou com a antepenúltima colocação (perdeu até do Brasil por 33 a 30), enquanto o time dinamarquês levou o bronze da competição realizada na Alemanha.

E há também atletas dos territórios colonizados que contribuem para seus países de origem. Como Keith Connor, nascido em Anguilla, que conquistou para a Grã-Bretanha o bronze no salto triplo nas Olimpíadas de 1984.

A França tem o reforço de atletas nascidos ou descendentes de suas colônias americanas em vários esportes, como futebol, natação, boxe e esgrima.

O caso mais claro está na seleção francesa vice-campeã do mundo de futebol em 2006. Dos 23 convocados, quatro eram originários de Guadalupe (Chibonda, Thuram, Gallas e Wiltord) e um da Guiana Francesa (Malouda). Atual titular da equipe, Anelka tem ascendência de Martinica. Mesmo com os desfalques, Martinica e Guadalupe tem selecionados de futebol e estão na fase final da Copa Ouro, principal torneio de seleções da Concafaf (confederação da Américas Central, do Norte e Caribe).

No Mundial de Esportes Aquáticos de Melbourne, Austrália, o bronze no 4x100m livre foi conquistado com a ajuda de Julien Sicot, terceiro homem do revezamento, que também é da Martinica. Na disputa feminina, o quarteto francês também tinha uma “estrangeira”, Malie Metella, da Guiana Francesa.
Laura Flessel-Colovie, bicampeã olímpica de esgrima pela França, é de Guadalupe, mesma origem de Jean Marc Mormeck, campeão dos cruzados no Conselho Mundial e na Associação Mundial de boxe.

*Colaboraram Antoine Morel e Rodrigo Bertolotto