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22/05/2007 - 09h00

Pan gelado acabou em fria, mas pode ressuscitar

Claudia Andrade
Em São Paulo

O Pan do Rio deve reunir 5500 atletas de 42 países -só a delegação brasileira terá quase 700 integrantes. Uma multidão, em comparação ao trio Christian Lothar Munder, Hans Egger e Alberto Clark que representou o país no único Pan-Americano de Inverno, que aconteceu em Las Leñas (Argentina), em 1990. E um dos atletas nacionais ainda deixou de disputar sua prova porque era em um dia sagrado para sua religião.

Ao final, a versão gelada não passou da primeira edição. Santiago do Chile foi escolhida para receber a segunda edição, em 1993, mas a negativa dos EUA de participar do evento pôs fim aos planos.

A própria idéia de se organizar um Pan-Americano de Inverno enfrentou muitos percalços e demorou para ser colocada em prática. Ela deveria ter nascido junto com a primeira edição do Pan de Verão, em Buenos Aires-1951, mas não despertou o interesse dos países do continente. Em 1959, quando Chicago recebeu o Pan convencional, Nova York tentou organizar a competição na neve, mas também não conseguiu apoio.

Em 1987, durante o Pan de Indianápolis, os dirigentes voltaram a considerar a hipótese de realizar o evento. Mas foi apenas em 1988, ano das Olimpíadas de Inverno na cidade canadense Calgary, que a Odepa (Organização Desportiva Pan-Americana) resolveu entrar no projeto para finalmente concretizá-lo.

Previsto para ser realizado em 1989, o Pan de Inverno teve de ser adiado por falta de neve naquela temporada. O clima também não ajudou um ano depois, e apenas três provas puderam ser disputadas, todas de esqui alpino: downhill, super G e slalom gigante. O evento esvaziado fez com que os norte-americanos desistissem de disputar o Pan de Inverno seguinte e enterrou de vez a competição.

A DELEGAÇÃO BRASILEIRA
Arquivo Pessoal
Dirigente e três esquiadores na abertura do Pan de Inverno, na argentina Las Leñas
Apenas oito países participaram (EUA, Canadá, Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Colômbia e México). Todas as 18 medalhas em disputa foram conquistadas por norte-americanos (quatro ouros, duas pratas e cinco bronzes) ou canadenses (dois ouros, quatro pratas e um bronze). Em meio à hegemonia do norte, a participação brasileira acabou marcada por um episódio inusitado. Alberto Clark abriu mão da disputa do super G por motivos religiosos. A prova foi programada para o dia 22 de setembro, um sábado, dia sagrado para os seguidores da igreja Adventista do Sétimo Dia.

"Foi uma coisa inédita, porque poucas pessoas colocam Deus em primeiro lugar", diz Clark. Para ele, contudo, as lembranças do Pan de Inverno incluem muita diversão e conquistas fora das montanhas. "Las Leñas é uma cidade pequena, então, tinha um clima gostoso, porque os atletas ficavam todos juntos. A gente almoçava junto, ia às boates. Lembro que a equipe canadense era muito animada e muito bonita. Deu pra namorar bastante."

Com o foco voltado os chalés, a competição acabou em segundo plano. "Eu corria o circuito da Copa do Mundo, que é como o da Fórmula 1. Para mim, o Pan foi uma competição menor", afirma Clark, que durante 22 anos dedicou-se inteiramente ao esporte na neve.

Clark abandonou o esqui há seis anos, quando seu pai, o principal patrocinador e incentivador da carreira, morreu. Atualmente, dedica-se às artes plásticas e tenta montar uma exposição com seus painéis que mostram motivos bíblicos. Mas não descarta uma volta às competições. "Quero tentar me classificar para Vancouver", diz, referindo-se às Olimpíadas de Inverno de 2010.

Para Hans Egger, que hoje trabalha com exportação, a competição em Las Leñas não foi das melhores. "Por causa do mau tempo, eu não pude disputar minha especialidade. O slalom foi cancelado e eu tive de participar do gigante e do super gigante. Posso dizer que isso foi uma decepção", diz o atleta do Pan de Inverno. Ele amargou as últimas colocações nas duas provas que disputou, mesmo conhecendo bem a sede da competição. "Las Leñas era a casa dos 'hermanos', mas era como a nossa casa, porque o Campeonato Brasileiro era disputado lá", lembra.

Apesar de ter se revelado uma fria já na sua primeira e única edição, há quem queira ressuscitar a competição. "A Confederação Brasileira de Desportos no Gelo está fazendo um movimento para recuperar o Pan de Inverno", diz Eric Maleson, presidente da própria CBDG. Ele afirma já ter abordado o assunto com o presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, Carlos Arthur Nuzman, e com dirigentes do comitê da Argentina. O processo, no entanto, sofreu alguns reveses.

O primeiro foi a escolha do Rio como sede do Pan de Verão. “O Nuzman ia incluir o assunto na pauta da Odepa (Organização Desportiva Pan-Americana), mas depois disso, o foco foi todo para o Pan do Rio. Agora estou torcendo para o Pan dar certo, porque isso pode ajudar na retomada dos Jogos de Inverno”, afirma Maleson.

OPÇÃO INVERNO OU VERÃO
AFP
Trenó capota e velocista Claudinei Quirino se lesiona em sua atuação em Turim-2006
Para muitos brasileiros, o Pan deste ano é mais importante do que uma Olimpíada. Inclusive para os que já estiveram em Jogos Olímpicos de Inverno. É o caso de Jaqueline Mourão, que disputou o esqui cross country na Olimpíada de Turim-2006 e já está classificada para o mountain bike no Pan.

Outro é Matheus Inocêncio, que está pré-classificado para o Pan nos 110 m com barreiras, Ele fez parte da equipe "bananas congeladas" (da prova de bobsled) nos Jogos de Salt Lake City, em 2002.
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Para complicar ainda mais a volta da competição no gelo, na última semana, morreu o coronel argentino Antonio Rodriguez, que dirigiu o evento de 1990. Ele era, segundo Maleson, um dos incetivadores da volta do Pan de Inverno. “Espero que a memória dele permaneça e que o movimento tenha continuidade.”

Apesar disso, o presidente da CBDG já tem o ‘novo’ Pan esquematizado em suas idéias. "O interessante seria que o evento fosse organizado um ano antes das Olimpíadas de Inverno, que valesse a classificação para os Jogos Olímpicos, e que as primeiras três ou quatro edições fossem realizadas na América do Norte, porque os países de lá têm mais infra-estrutura e, com isso, não se correria o risco de o evento morrer de novo”, sonha.

Depois desse período, acredita, países como Chile, Argentina e Brasil poderiam sediar o Pan de Inverno. Sim, o país tropical entra na lista de Maleson por causa do projeto para construção de um centro de esportes de inverno em Campos do Jordão, interior de São Paulo. A obra, orçada em R$ 13 milhões, segundo o dirigente, já tem duas de suas cinco cotas de patrocínio vendidas.

Nas previsões do presidente da CBDG, o início da construção será no final de 2007 e o término, dois anos depois. “Com isso, as modalidades de gelo poderiam ser disputadas no Brasil e as de neve, no Chile, por exemplo, em um Pan organizado em parceria, como foi a Copa do Mundo de 2002, na Coréia e no Japão”, compara.