O lado sujo da vela olímpica apareceu no Pan. E o Brasil agradeceu
Bruno Doro
Do UOL, em Toronto (CAN)
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William Lucas/inovafoto
Martine Grael e Kahena Kunze conquistaram medalha de prata na prova 49erFX da vela
"As pessoas são bem menos amistosas do que em outros eventos, como um Campeonato Mundial, por exemplo", diz Torben Grael, cinco vezes medalhistas olímpico. "Um está querendo matar o outro", completa. Foi assim que um dos maiores atletas olímpicos que o Brasil já teve resumiu os Jogos Pan-Americanos de Toronto, no Canadá, na vela.
Coordenador da Confederação Brasileira de Vela, Torben comemorou. Com as disputas acirradas no Lago Ontário na última semana, ele viu os atletas em quem está apostando fichas para subir ao pódio nas Olimpíadas do Rio de Janeiro ganhar bagagem de competição. Inclusive os dois maiores nomes da vela brasileira atualmente, Martine Grael e Kahena Kunze - a dupla da classe 49er FX.
"Em todas as classes, a velejada é bem mais agressiva. Eu ainda não tinha visto antes. Como são poucos adversários, os primeiros se definem rápido e a batalha entre esses barcos é muito grande", admite Martine, filha de Torben.
Para Martine e Kahena, esse jogo mais sujo da vela, comum em Olimpíadas e Pan, foi feito pelas argentinas. Victoria Travascio e Maria Branz marcaram o barco brasileiro durante toda a semana. Inclusive quando já tinham pontos suficientes para comemorar o ouro. "Elas já eram campeãs e continuaram marcando a gente. Ninguém entendeu nada".
"As pessoas se comportam de maneira diferente, mesmo. A delegação (de cada país) fica junta, tem muito menos intercâmbio entre as pessoas de outros países", explica Torben. "Em Mundial, em muitas situações pequenas, em que você poderia protestar, você alivia. Porque, no dia seguinte, o cara vai aliviar para você. Ninguém está querendo prejudicar ninguém. Aqui, não. Um está querendo matar o outro. Porque são menos concorrentes, é mais é difícil de recuperar. Psicologicamente, é uma experiência diferente".
Aos 36 anos, Ricardo Winicki, o Bimba, agora tetracampeão pan-americano, já conhece bem esse ambiente. Mas viveu um caso que exemplifica exatamente esse lado mais obscuro da modalidade. Quando terminou a disputa da classe RS:X, de prancha a vela, o argentino Mariano Reutemann saiu da água dizendo que tinha tido sua medalha roubada. Os acusados eram Bimba e o mexicano David Mier, ouro e prata em Toronto.
Segundo ele, o brasileiro deixou Mier passá-lo perto do final da última prova. Os dois são amigos e o mexicano está sempre em Búzios, treinando. A medalha da classe só foi entregue no domingo, por causa de Reutemann, que protestou contra o brasileiro e o mexicano. A "guerra diplomática" foi muito mais longa do que a prova que estava sendo debatida. "Faz parte. Ele perdeu uma medalha na linha de chegada. Como aconteceu comigo na Argentina, em Mar del Plata, no Pan de 1995. Eu poderia ser ouro, fiquei com a prata. É preciso aprender a lidar com isso. Eu aprendi", fala Bimba.
Até o bicampeão olímpico Robert Scheidt passou por isso. Ele tocou no barco do guatemalteco Juan Maegli na segunda rodada do campeonato. Os dois estavam lutando por posição e o centro-americano tentava evitar a passagem do brasileiro. Scheidt, 11 vezes campeão mundial, passou e venceu a prova. Maegli protestou e o brasileiro acabou eliminado daquela prova. Seriam seis pontos a menos no final. E Scheidt poderia ter entrado com chance real de título na regata decisiva. Mas ele preferiu não entrar em polêmica. "Não faria diferença para o título. Mas gostei muito da minha recuperação durante a semana".
Para a vela brasileira, em termos de resultados o evento também foi positivo. Os velejadores do país subiram ao pódio em todas as classes pan-americanas, conquistando o ouro nas duas pranchas a vela (com Bimba e Patrícia Freitas). Scheidt foi vice-campeão na Leser e Fernanda Decnop terminou em terceiro na Laser Radial.