Ele ouve ofensas homofóbicas diárias. Resposta veio como medalha no Pan
Bruno Doro
Do UOL, em Toronto (CAN)
Caio Bonfim é um dos atletas mais casca-grossa do atletismo brasileiro. E não é apenas porque sua prova, a marcha atlética, é uma das mais difíceis em todos os esportes. Ele é um herói por ouvir brincadeiras diárias sobre a modalidade que escolheu. E ainda assim seguir treinando. E ganhando.
Neste domingo (19), ganhou sua primeira medalha em Jogos Pan-Americanos. Aos 24 anos, foi bronze na prova dos 20km de marcha em Toronto. "O problema é o preconceito. Todo conceito que é predefinido se torna um problema. O Brasil tem um problema com cultura esportiva, em todos os esportes. As pessoas da ginástica sofrem com isso. As pessoas do vôlei sofrem com isso. Meu pai sempre diz que precisamos lutar com títulos. Essa medalha de bronze é um passo nesse processo", comemora o marchador.
O atleta evita chamar de homofobia. Mas todo dia, ao marchar pelas ruas de Sobradinho, cidade satélite de Brasília, ouve ofensas assim. "Veado". "Toma jeito de homem". "Para de rebolar". Ofensas que chegam até mesmo ao mais alto nível do atletismo. "Quando nos classificamos para Londres, falaram que 'finalmente teríamos gayzinhos na delegação'", conta João Sena, pai e técnico de Caio.
"É brincadeira, a gente sabe. Mas, no fundo, é uma alfinetada também, pelo rebolado. Não é preconceito com gay. É com a marcha. Não tenho nada contra os gays. Mas é uma maneira de desrespeitar o nosso esporte. Falam tanto isso que uma hora irrita. Uma vez, na Colômbia (no Sul-Americano de Cartagena, em 2013), fui até onde os técnicos brasileiros estavam e falei: 'No Brasil tem marcha. E no Brasil tem macho também'", desabafa João.
É verdade que a grande marca da marcha atlética é o rebolado. Mas ele é o efeito de uma das provas mais técnicas do atletismo: ao menos um pé tem de estar sempre em contato com o chão e o joelho não deve se dobrar. Para se movimentar com tantas limitações e atingir as velocidades que eles alcançam é necessário muito treino. Não bastasse isso, as provas ainda são longuíssimas. A de Caio tem 20km. Mas ainda existem os 50km, em que atletas marcham por pelo menos 3h50m. Ao completar a prova, cada marchador chega exausto.
"Eu nunca senti tanta dor quanto hoje. Senti dor em alguns lugares do corpo que eu nem mesmo sabia que era possível. Mas tudo isso vale a pena pelo resultado. Foi uma medalha incrível", diz Caio. "Espero que esse bronze, e a prata da Érica (Sena, vice-campeão da marcha de 20km feminina), faça as pessoas se perguntarem: 'O que é isso? O Brasil é bom? Então vou tentar'. E quem for tentar, vai ver que todo marchador é um cara de respeito, um cara de família e um batalhador. Em um momento em que estamos discutindo a nossa identidade de país, precisamos aproveitar para incluir essas discussões, de preconceito no esporte. E tratar de acabar com a polêmica e entender que é preciso respeitar o outro".