As instruções são bilingües. "Up", grita o técnico sueco Eric Lette. "Levanta a cabeça", traduz a chefe da equipe de adestramento, Sabine Pilton. Um "turn" é seguido por um "vira", e um "oh yeah" se transforma em "isso, muito bem".
"Depois do Pan vou estudar inglês. Estou precisando. Já arrumei até um professor particular, mas é que antes dos Jogos não deu tempo. Foi muito treino", diz o cavaleiro Rogério Clementino.
VIDA DE ATLETA ARISTOCRATA |
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Rogério Clementino treina em Deodoro, local de competição do Pan, na zona Oeste |
Com ajuda de tradutora, o técnico sueco Eric Lette passa instruções para Rogério |
VEJA PERFIL DO CAVALEIRO |
Sua história mais parece uma versão caipira dos relatos de Charles Dickens, escritor inglês do século 19 famoso por seus romances com crianças órfãs que oscilam entre a pobreza e o luxo.
"Perdi meu pai quando tinha dois anos. Eu e meus dois irmãos fomos criados por minha mãe na fazenda. Tive que lutar toda a vida", conta o ginete ao descer do cavalo de propriedade de José Victor Oliva. Ele trabalha no haras do empresário da noite na região de Sorocaba tomando cavalos para competir ou para serem vendidos.
Dessa maneira entrou para o seleto mundo do adestramento olímpico, cheio de pessoas de fraques e cartolas e cavalos com traças, polainas e pêlos escovados e envernizados fazendo piruetas e trotes coreografados. No começo, era confundido com um tratador quando surgia no mundo fantástico das hípicas. Logo, ficou conhecido.
"Ele é o símbolo do hipismo nacional. É para mostrar que nosso esporte não é coisa de rico", sentencia Jorge Rocha, dono, entre outras empresas, da seguradora de saúde Amil e de vários cavalos cotados em vários milhares de dólares. Rocha tem há dez anos um técnico particular, o alemão Norbert Van Laak, que é também treinador da equipe canadense neste Pan. "Não é falta é ética. Aqui é uma grande família", se defende Laak.
Na fazenda em Mato Grosso do Sul em que foi criado, Rogério foi logo trabalhar com gado. Fez comitiva levando boi de uma estância para outra. Participou de rodeio. Até cair no adestramento. Um irmão seu é servente de pedreiro. O outro está servindo o Exército.
"Tem que ralar muito. Eu corri atrás de cada oportunidade e não deixei passar", dá a receita Rogério. Mas ele ainda parece um intruso naquele mundo. "Gosto de música sertaneja, das duplas Edson e Hudson e do Rio Negro e Solimões, mas nunca imaginei colocar as canções deles na minha prova de free style", afirma Rogério, que preparou sua apresentação livre com música clássica ao fundo. "O pessoal daqui gosta mais dessas músicas sem voz. Prefiro não contrariar", completa.