UOL Esporte - Pan 2007
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07/07/2007 - 12h29

Rio repete dose de antiamericanismo de Pans passados

Rodrigo Bertolotto
Enviado especial do UOL
No Rio de Janeiro

Um grupo de turistas norte-americanos segue o guia pela Cinelândia, ouve a história do Teatro Municipal carioca e da Biblioteca Nacional. De repente, percebe uma barraca que vende camisetas com a bandeira dos EUA com suásticas no lugar das 50 estrelas. Todos param para tirar fotos. "Desses capitalistas, não queremos dinheiro", sentencia Leda Menezes, a responsável pelo posto, ao ver a cena.

Rodrigo Bertolotto/UOL Esporte
Santana, do Movimento de Resistência Brasileira: "Nós somos nacionalistas"
PREFEITO COMENTA A POLÊMICA
ESQUEMA DE SEGURANÇA
O antiamericanismo do Rio já virou turístico e seu slogan "Halloween é o cacete" se transformou em bordão local. Mas ele mostra uma constante desde o surgimento dos Jogos Pan-Americanos, que nasceram sob a ideal da boa vizinhança, mas que não escaparam da realidade geopolítica do continente.

A história se repete em 2007, com o chefe de imprensa dos EUA escrevendo "Welcome to the Congo" em um quadro no escritório norte-americano no Riocentro (veja texto ao lado).

Foi assim no Pan de 1951, quando a Argentina de Juan Domingo Perón sediou os Jogos em meio a uma crise diplomática com os Estados Unidos -similar à relação atual da superpotência com o venezuelano Hugo Chávez.

Nos Jogos de 1979, disputados em Porto Rico, protetorado dos EUA no Caribe, foi o ápice. Os espectadores vaiavam o hino norte-americano, e o técnico de basquete dos EUA também não colaborou: foi preso por desacato a um policial e ainda declarou que "os porto-riquenhos só sabem plantar bananas".

Esse incidente diplomático se assemelha muito ao do Rio, que pode criar uma bola de neve antiamericana, ainda mais em uma época em que impera o intervencionismo do presidente George W. Bush, que tem a invasão do Iraque como maior símbolo.

Justo no dia que desembarcaram os primeiros atletas dos EUA no Rio (cinco cavaleiros do adestramento), o clima de antiamericanismo começou nos Jogos Pan-Americanos.

O jornal "O Globo" fez grande estardalhaço com uma descoberta no escritório de imprensa dos Estados Unidos no Riocentro. O gerente de imprensa Kevin Neuendorf escreveu em um quadro do local a seguinte frase: "Welcome to the Congo" (em português, "Bem-vindo ao Congo"). A frase foi apagada neste sábado.

Neuendorf se defendeu afirmando que era uma brincadeira com o calor carioca, mas a publicação carioca não se convenceu e dedicou chamada em sua capa ("Uma chegada cheia de preconceitos") e manchete de página inteira em seu caderno de esporte, com direito a mapa mundi localizando "This is Brazil" e "This is Congo" e um título "Watch and Learn" (Veja e Aprenda).

Em suas reportagens, "O Globo" classifica a atitude de Neuendorf de "gafe lamentável" que "desrespeitava os dois países". Além disso, trouxe texto sobre as históricas gafes de presidentes dos EUA e de Hollywood em relação ao Brasil.

A notícia repercutiu, mas as autoridades do Pan e o prefeito do Rio, César Maia, preferiram contemporizar. Maia disse que a frase mostra o nível do desinformação do Comitê Olímpico dos EUA.

As manifestações do tipo "Ianques Go Home" podem povoar as arquibancadas do Rio, como aconteceu em edições anteriores dos Jogos Pan-Americanos.
BRASIL E CONGO
A assimetria econômica é tanta que, mesmo trazendo uma delegação sem suas estrelas olímpicas, os EUA devem vencer com folga e outra vez este Pan. "Deveríamos protestar contra os norte-americanos, mas a polícia não vai deixar", diz Antonio Santana, conselheiro do grupo nacionalista Movimento de Resistência Brasileira, que mantém uma barraca na Cinelândia, local que recebeu até o apelido de "Brizolândia" por ter sido reduto dos seguidores do nacionalista Leonel Brizola, ex-líder do PDT.

A salada ideológica fez no Rio até os "Círculos Bolivarianos Leonel Brizola", com cerca de 60 seguidores que apoiam movimentos sociais, passeatas em direção ao consulados dos EUA e promovem a renovação da figura do político gaúcho morto em 2004 pelo carisma de Chávez.

"No Pan, nós apoiamos o Brasil. Somos nacionalistas, pô. Com a Venezuela é só uma simpatia política", enfatiza Santana, entrando no clima patriótico que o evento que começa na sexta-feira incentiva.

Solidário aos nacionalismos alheios, Santana vende broches com bandeiras do país vizinho e a frase "Viva a Venezuela Bolivariana". No seu mostruário, tem camisetas pró-Palestina, outras de ataque aos "imperialistas ianque" e outras em defesa do povo iraquiano.

Ele mantém estirada uma faixa com a inscrição "Fora Bush. USA assassinos". "A polícia veio aqui e mandou que eu tirasse ela da grade, mas eu amarrei na barraca mesmo", conta. Nas redondezas, há vários cartazes com um "x" sobre a sigla USA (United States of America) e a palavra de ordem "Resistir é Preciso, Viva o Brasil".

O centro do Rio é o foco de resistência ao entusiasmo oficial em torno do Pan. Tirando o iatismo na Marina da Glória, o Pan pouco de aproximou da região. E não é por acaso que é nessa região que acontecem as manifestações contrárias do evento esportivo, seja em protestos de camelôs, em invasões de sem-tetos ou em pichações mostrando um Cauê segurando um fuzil.

Na sexta-feira (dia da abertura dos Jogos), por exemplo, está programada uma manifestação em frente da Prefeitura contra as invasões violentas por parte da polícia, como aconteceu no Complexo do Alemão, com 19 mortes -a zona Norte do Rio vivo o contraste da inauguração do monumentoso estádio Engenhão em meio à tensão entre polícia e facções criminosas.

Enquanto o centro foi a região que menos se beneficiou com o Pan-Americano, quem mais lucrou com o evento foi a "americanizada" Barra da Tijuca (e sua vizinha Jacarepaguá), com suas palmeiras a la Miami, condomínios que repetem o "american way of life" (desde o "drive thru" até o "delivery") e até um shopping com réplica da nova-iorquina Estátua da Liberdade.