UOL Esporte - Pan 2007
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20/03/2007 - 09h02

Patinação dribla buracos, carros, pedestres e ambulantes até o Pan

Fernanda Brambilla
Em São Paulo

Para viver seu grande momento em julho nos Jogos Pan-Americanos, a patinação de velocidade tem que desviar de carros, pedestres, ciclistas, carrinhos de sorvete, galhos de árvore, poças, buracos e até policiais, que obstruem o percurso.

Sem um local adequado para treinar, a equipe nacional se reúne no estacionamento do parque Ibirapuera, em São Paulo, e usa a imaginação para fazer de conta que o contorno por trás dos carros é um circuito oval.

PATINANDO NO ESTACIONAMENTO
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Já no estacionamento do Ibirapuera, os patinadores se trocam e põem o uniforme...
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A cerca de 36 km/h, patinadores driblam carros e pedestres que atravessam percurso
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...desviam de poças d´água, que deixam o asfalto escorregadio e propenso a quedas.
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Nos dias sem movimento, o estacionamento vira até sala de aula para o técnico Ramiro.
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E, à noite, os atletas alongam, cuidam das bolhas nos pés e agendam novo encontro.
Entre uma volta e outra, os patinadores também têm que atentar a pedestres que atravessam o caminho sem avisar, carros que saem e entram a todo instante em busca de vagas, ciclistas que teimam em fazer o mesmo trajeto em sentido contrário, ambulantes empurrando seus carrinhos, casais de idosos que querem caminhar devagarzinho entre os carros. Até uma excursão escolar atrapalha o treino da seleção brasileira.

Para o técnico do Brasil, o colombiano Ramiro Lacerna, as distrações já fazem parte da rotina. "É um parque público, não posso mandar ninguém sair daqui. Já pedimos com educação, já tivemos bate-bocas e já brigamos feio. Não adiantou nada", afirma o treinador. "Tentei levá-los para patinar no parque, mas os policiais vinham apitando atrás, mandando ir mais devagar para que não atropelássemos ninguém. Patinar devagar não nos interessa", completa suas queixas.

Essa parece ser a toada dos patinadores. "A gente vem aqui todo dia, e sempre tem algum problema. O asfalto é desnivelado, tem muitos gravetos, pedrinhas. Quando chove, formam umas poças enormes. Mas o pior ainda são as pessoas", desabafa Talita Arroio. "O que recompensa é quando alguém vem e pergunta por que estamos fazendo isso...aí entendem que não estamos brincando."

Os atritos com os freqüentadores diminuíram depois que os atletas passaram a usar uniformes, o que os diferenciou dos diletantes. "As pessoas passaram a nos tratar diferente. Mesmo que não saibam nada de patinação, elas reparam que não somos só um bando de loucos dando voltas. Somos loucos uniformizados do Brasil", brinca Edson de Almeida.

Dos atuais sete atletas da seleção, apenas duas duplas serão escolhidas para o Pan do Rio. O único fora do Ibirapuera, Rafael Romano mora na Argentina, onde treina por conta. Do grupo daqui, alguns são ex-praticantes do hóquei com patins (inline), que deixaram a modalidade para se dedicar à velocidade. O hóquei fazia parte do programa da última edição do Pan, em Santo Domingo-2003, mas saiu no Rio para dar lugar ao futsal, modalidade em que o Brasil tem hegemonia continental.

"Não temos nada contra jogadores de hóquei, mas somos vistos como desertores", conta Paulo Marques, de 24 anos. "A diferença é a exibição. Se numa quadra jogam 12 contra 12, na patinação você se destaca entre os 20 do pelotão", resume o atleta, que começou fazendo entregas de patins na farmácia em que trabalhava. "Peguei gosto, comecei a me destacar porque fui ficando rápido, até que decidi ficar de vez aqui."

O caçula da equipe, Douglas Conceição, de 18 anos, ainda se policia para não confundir as coisas. "Os movimentos de braço são diferentes, a gente sempre tem que ficar atento para não perder embalo", conta.

Em meados de fevereiro, a patinação de velocidade recebeu uma notícia-bomba do Co-Rio (Comitê Organizador dos Jogos Pan-Americanos do Rio). A pista onde a modalidade vai competir não seguirá os padrões oficiais, não terá o mesmo piso a que os atletas estão acostumados, não terá a inclinação de 15 graus na curva como costumam ter as pistas de todas as competições.

Mas a surpresa, inicialmente ruim, pode virar um fator decisivo para o Brasil, que não tem tradição nenhuma no esporte, em sua estréia no Pan.
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Longe de pensar em glória, Edson de Almeida se contenta com a torcida do quartel. Cabo do Exército, o atleta de 25 anos era alvo de chacotas dos colegas. "Cada foto que eles viam minha, era aquele deboche. Militar usando colant? Patinando alinhado com homens, um atrás do outro?", lembra. O pesadelo de Edson passou com o primeiro pedido de dispensa oficial do COB (Comitê Olímpico Brasileiro). "Quando viram que a coisa era séria, as brincadeiras pararam. E vieram os elogios. Ainda bem que eles são patriotas."

No feminino, a disputa é quase inexistente, já que apenas Talita Arroio e Eliete Cardoso são as únicas meninas no grupo. Ainda assim, o técnico tenta fomentar a competição. "Tudo depende do nível técnico delas. Se uma não estiver bem, levo apenas a outra. Ou nenhuma. Não é porque temos as vagas, que vou disperdiçá-las com atletas que não terão chances de bons resultados. Isso seria vergonhoso", argumenta Ramiro.

E em ano de Pan, vale tudo. Recém-formada em publicidade, Talita, de 22 anos, abdicou da perspectiva de começar uma carreira para subir nos patins. "Já tinha desistido uma vez por causa do vestibular. Passei, fiz faculdade, agora larguei tudo de novo para me preparar para o Pan", diz.

Com um impressionante currículo no hóquei, Eliete Cardoso, de 23 anos, quer nos patins a medalha que não teve chance de disputar. A atleta foi campeã paulista, brasileira, vice no Sul-Americano e terceira colocada no Mundial de hóquei sobre patins, disputado no Canadá em 2006. Mas quando foi convidada pelo técnico colombiano para fazer parte da seleção que vai disputar o Pan, não hesitou em largar a modalidade.

"Eu gosto das duas coisas, sempre pratiquei os dois esportes. Era atacante no hóquei, mas sempre ajudava na marcação, porque sempre fui rápida, o que me ajudou na transição para a velocidade", conta Eliete.

Natural de Belém do Pará, Eliete já faz planos para quando a medalha vier. "Lá em casa todo mundo já espera me ver na televisão. Imagina se eu ganhar medalha? Quero sair pra tomar um açaí lá em Belém e ser reconhecida na rua", se empolga.