"Seria interessante se a organização dos Jogos Pan-Americanos nos convidasse para competir", afirma o presidente da Associação Esportiva das Falklands, Patrick Watts. Quem não acharia nada interessante o convite seriam os dirigentes olímpicos da Argentina, afinal, para eles, as ilhas do Atlântico Sul se chamam Malvinas e são parte do território do país sul-americano.
Watts sabe bem disso. “Sofreríamos uma grande oposição argentina se tentássemos disputar o Pan, mas nós nunca aceitaríamos participar dos Jogos como argentinos, como eles querem”, respondeu Watts à reportagem do
UOL Esporte por e-mail.
A disputa vem desde 1833, quando os britânicos invadiram e colonizaram o gélido território sem população permanente até aquele ano. A tensão desembocou em 1982 na última guerra entre uma nação americana e uma européia.
Há exatos 25 anos, a ditadura militar argentina (1976-1983) decidiu retomar as ilhas para desviar a atenção de uma crise econômica. Mas acabou se rendendo em junho do mesmo ano, o que provocou a queda da Junta Militar e realização de eleições gerais. Do outro lado do Atlântico, Margaret Thatcher chegou ao ápice da popularidade com o triunfo. O saldo de mortos foi de 665 argentinos, 255 britânicos e três kelpers, como são conhecidos os nativos.
AS ILHAS DA DISCÓRDIA |
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Atirador das ilhas participou dos Jogos da Comunidade Britãnica de 2006, sem pódio |
Apesar do clima inóspito, atletas disputam maratona na capital das ilhas, Port Stanley |
Como na Inglaterra, os esportes de pub são populares, como o dardo, dominó e baralho |
Com bandeiras, manifestação na Argentina marca os 25 anos do fim do conflito |
Veterano argentino visita cemitério com compatriotas mortos na guerra de 1982 |
A derrota platina, porém, nunca foi assimilada. As Malvinas estão no mapa, na previsão do tempo e no Pan, já que, para o Comitê Olímpico da Argentina, “a equipe é formada por atletas de todo o país, o que inclui as ilhas”.
As ilhas têm menos de três mil habitantes. No campo esportivo, a modalidade que mais se destaca é, sintomaticamente, o tiro. Eles disputam dois torneios internacionais: os tradicionais Jogos da Comunidade Britânica (o Commonwealth Games) e os Jogos das Ilhas, competição que reúne 25 regiões insulares com menos de 110 mil habitantes.
Nesse evento, os atiradores conquistaram já conquistaram 15 medalhas para as Falklands, incluindo o ouro de Graham Didlick, na edição de 1999, em Gotland, Suécia.
Didlick tem outras quatro medalhas de prata e seis de bronze, sendo o principal representante do tiro nas ilhas. O emblemático é que a Argentina também tem tradição neste esporte, somando 90 medalhas na história do Pan, 20 delas de ouro.
A Grã-Bretanha tem outras seis possessões nas Américas. Três delas também ficaram fora do Pan: Anguilla, Montserrat e Ilhas Turks e Caicos. A França possui quatro territórios ultramarinos na América que estão à margem do Pan: Guadalupe, Guiana Francesa, Martinica e São Pedro e Miguelão. A Dinamarca entra no grupo com a Groenlândia, área de 2,1 milhões de metros quadrados vizinha ao Canadá.
Segundo a Odepa (Organização Desportiva Pan-Americana), entidade responsável pelos Jogos Pan-Americanos, eles não participam “porque não são países independentes e não têm comitês olímpicos reconhecidos pelo Comitê Olímpico Internacional”. Como o Pan segue as regras das Olimpíadas, apenas os 42 comitês das Américas reconhecidos pelo COI são autorizados a participar.
Bermudas, Ilhas Cayman e Ilhas Virgens Britânicas, mesmo com domínio inglês, têm Comitês Olímpicos e, portanto, participam do Pan. O de Bermudas é o mais antigo, reconhecido em 1936. Em 1976, o das Ilhas Cayman se filiou à entidade internacional. O das Ilhas Virgens é o mais recente, de 1982. A partir de 1996, porém, o COI passou a aceitar apenas comitês de “estados independentes reconhecidos pela comunidade internacional.” Ou seja, países com representatividade na ONU (Organização das Nações Unidas).
Colonizados, mas bem-sucedidos Sem estar qualificada para ter seu próprio comitê olímpico e assim, disputar as Olimpíadas, os Jogos da Comunidade Britânica passam a ser a competição esportiva mais forte para as Falklands. Anguilla, Montserrat e Ilhas Turks e Caicos também participam do evento, realizado a cada quatro anos.
Já a Groenlândia participa independentemente de eventos internacionais só com suas seleções de handebol, modalidade em que a metrópole Dinamarca é uma das potências internacionais. Em 2007, no Mundial masculino, a Groenlândia ficou com a antepenúltima colocação (perdeu até do Brasil por 33 a 30), enquanto o time dinamarquês levou o bronze da competição realizada na Alemanha.
E há também atletas dos territórios colonizados que contribuem para seus países de origem. Como Keith Connor, nascido em Anguilla, que conquistou para a Grã-Bretanha o bronze no salto triplo nas Olimpíadas de 1984.
A França tem o reforço de atletas nascidos ou descendentes de suas colônias americanas em vários esportes, como futebol, natação, boxe e esgrima.
O caso mais claro está na seleção francesa vice-campeã do mundo de futebol em 2006. Dos 23 convocados, quatro eram originários de Guadalupe (Chibonda, Thuram, Gallas e Wiltord) e um da Guiana Francesa (Malouda). Atual titular da equipe, Anelka tem ascendência de Martinica. Mesmo com os desfalques, Martinica e Guadalupe tem selecionados de futebol e estão na fase final da Copa Ouro, principal torneio de seleções da Concafaf (confederação da Américas Central, do Norte e Caribe).
No Mundial de Esportes Aquáticos de Melbourne, Austrália, o bronze no 4x100m livre foi conquistado com a ajuda de Julien Sicot, terceiro homem do revezamento, que também é da Martinica. Na disputa feminina, o quarteto francês também tinha uma “estrangeira”, Malie Metella, da Guiana Francesa.
Laura Flessel-Colovie, bicampeã olímpica de esgrima pela França, é de Guadalupe, mesma origem de Jean Marc Mormeck, campeão dos cruzados no Conselho Mundial e na Associação Mundial de boxe.
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Colaboraram Antoine Morel e Rodrigo Bertolotto