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13/04/2007 - 09h00

Hóquei vive caos, greve e convocação na Internet

Fernanda Brambilla
Em São Paulo


O hóquei na grama brasileiro vislumbra um verdadeiro mar de lama até sua estréia nos Jogos Pan-Americanos do Rio. Atualmente, cerca de 25 atletas das seleções masculina e feminina completaram três meses em greve e se negam a voltar aos treinos pedindo a demissão de dirigentes e a melhora de infra-estrutura.

DEMISSÃO CAUSA ALÍVIO
Arquivo pessoal
A saída do técnico Cláudio Rocha foi bem aceita pelas grevistas. A postura do treinador foi o principal motivo da greve, iniciada em janeiro. Segundo as atletas, as discussões começaram após os Jogos Sul-Americanos, no fim de 2006, quando a seleção feminina não venceu nenhum jogo.

"Parecíamos umas patinhas em quadra. Não estávamos aprendendo nada", conta Juliana Gelbcki. "Ele já me xingou durante um treino. Era sempre uma baixaria", lembra. Em uma dessas ocasiões, Laís Bernardino, ex-seleção, chegou a perder a cabeça. "Uma vez, ele ficou tirando sarro de mim, me driblou e me empurrou. Chutei a canela dele. Fiquei três dias suspensa, mas não me arrependi."

À época técnico da seleção masculina, Fernando Valdés confirma os atritos. "Era chocante o jeito como o Cláudio tratava as meninas. Ele as insultava tanto que chegou a ser suspenso durante um jogo, tal foi a má impressão que os árbitros tiveram dele", lembra.

Questionado sobre as acusações, o ex-treinador pôs em xeque a intenção de suas ex-comandadas. "Elas treinaram comigo durante tanto tempo, e agora que está próximo do Pan, fazem esse escândalo. É no mínimo estranho. Antes tudo estava bem, e agora eu virei a pior pessoa do mundo", rebateu Rocha. "Todo mundo gosta de um barraco", concluiu.
No desespero, atletas de outros esportes foram chamados às pressas para "tapar buraco", atraídos com chamariz de participar do Pan e de ganhar dinheiro do Programa Bolsa Atleta. E o meio para convocar os atletas inclui até convites pelo site de relacionamento Orkut (leia no quadro acima trechos das conversas entre jogadores e o técnico Cláudio Rocha).

"Foi uma surpresa ver que atletas de futsal estão treinando hóquei no nosso lugar. Foram chamadas na faculdade pelas meninas que continuaram na seleção e pelo próprio técnico", conta Laís Bernardino, 17 anos, uma das grevistas, que estuda na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), em Florianópolis, onde as seleções se concentravam até a paralisação. "É tanto desespero que alunos são recrutados até pelo Orkut."

Do lado masculino, a greve também segue, e as acusações se repetem. "Agora que estamos de fora, vemos pessoas que nunca jogaram hóquei sendo iludidas com a proposta de jogar o Pan. Os caras chamam amigos, gente que não conhece o esporte para treinar achando que dá tempo de ensinar. Desse jeito, o Brasil vai passar vergonha no Rio", conta Leonardo Marafoni, 21 anos, também ex-seleção.

Cláudio Rocha, que comandava a seleção feminina até o início do mês, quando deixou o cargo, reconheceu o artifício. "Tem muita gente que joga hóquei, pesquisando eu encontrei algumas pessoas por Orkut. Não vejo nenhum problema nisso", limitou-se a dizer. Segundo a CBHG, a saída do treinador atendeu a um convite do Co-Rio (o comitê organizador do Pan) para coordenar o hóquei na grama. Mas o comitê desmentiu a história. Rocha foi indicado pela CBHG. O Co-Rio acrescentou ainda que não interferiu na contratação, feita a pedido da entidade. Por outro lado, ainda não foi contratado um novo técnico para substituí-lo na equipe feminina.

Uma dessas meninas, a uruguaia Mariana Bonifacino, 21 anos, confirmou a convocação eletrônica. "O Cláudio entrou na minha página um dia, viu que eu estava em uma comunidade de hóquei na grama e me chamou para treinar. Perguntou se eu jogava e se queria fazer parte da seleção", contou Mariana, que chegou a se unir ao grupo brasileiro e presenciou a crise. "Vi como é, e apóio as meninas."

Com a greve, os jogadores deixaram de receber a ajuda de custo do COB aos atletas do Pan. "Esses novos integrantes estão recebendo a minha bolsa-atleta", lamenta Pedro De Grandis, 19 anos. "Qualquer um vai para a seleção. Queremos melhores condições para o treino, isonomia entre os atletas e uma reformulação no quadro de dirigentes da CBHG", reivindicou. "Tínhamos até que tomar água de bica durante os treinos", lembrou De Grandis.

AS EX-SELEÇÕES BRASILEIRAS
Arquivo pessoal
Time masculino de hóquei na grama, que ficou em 5º lugar nos Jogos Sul-Americanos
Arquivo pessoal
Equipe feminina, que iniciou a greve por discordar de métodos do treinador, afastado
Ele dividia uma casa, alugada pela CBHG em Florianópolis, para alguns atletas ficarem concentrados durante o preparo até o Pan. Com a dissidência, foram intimados a sair. "Fomos comunicados da quebra de contrato, e tivemos dias para sair, sem a menor explicação", contou o atleta.

À espera de uma solução estão não apenas os grevistas, mas também o ex-técnico do masculino, o argentino Fernando Valdés, que comandou o time no Sul-Americano de Buenos Aires no ano passado e dirige os treinos dos ex-atletas da seleção.

"Sempre encontramos o que restou da seleção. São atletas de futsal, de atletismo, basquete. Acreditaram em um sonho de mentira que foi vendido", comentou Valdés, que foi demitido após o torneio na Argentina. No lugar de Valdés, o ex-jogador Leonardo Lemos foi chamado para o cargo.

"A saída do Cláudio foi o primeiro passo, porque a situação estava insustentável. A coisa mais importante a fazer é trazer de volta os jogadores, porque eles têm qualidade para jogar, ou o Pan será um fiasco", alertou Valdés.

Esta semana, Bruno Patrício, ex-jogador de hóquei, assumiu como diretor-técnico da CBHG, outro cargo acumulado por Cláudio Rocha antes da crise estourar. Sem tempo a perder, anunciou uma seletiva aberta, que será realizada ainda este mês em São Paulo e Florianópolis, para montar as novas seleções brasileiras. Os pré-requisitos, segundo o próprio diretor-técnico, são apenas dois: jogar hóquei e ser brasileiro.

"Os jogadores em greve podem participar se tiverem interesse, ninguém está descartado. Essa seletiva definirá os atletas que disputarão o Pan", declarou o dirigente, que desconversa quando o assunto é a greve. "Não existe seleção mais." Sobre uma possível conversa com os ex-titulares para acertar a volta aos treinos, o dirigente é implacável. "Não há a menor chance disso acontecer."

A par da confusão toda, o presidente da Confederação, Sydnei Rocha, minimizou a gravidade da situação. "Não sei o que se passa na cabeça dessa juventude de hoje."