Treinos em dois períodos e patrocínios. A profissionalização do Parapan

Felipe Pereira

DO UOL, em Toronto (CAN)

  • Felipe Pereira

    Antônio faz a mira na bocha e para fazer bonito treina até seis horas por dia porque o esporte palímpico está cada vez mais profissional

    Antônio faz a mira na bocha e para fazer bonito treina até seis horas por dia porque o esporte palímpico está cada vez mais profissional

Com remuneração de dois dígitos, José Carlos Chagas está construindo uma casa de dois andares para alugar em Uberaba (MG), reformou o lugar em que vive e comprou um carro zero. Em relação aos familiares, deu uma moto para mãe e o filho de cinco anos já tem R$ 10 mil na poupança. Conseguiu tudo isto graças a sua profissão: paratleta de bocha.

Na verdade o termo nem é o mais adequado para os brasileiros que estão no Canadá representando o país no Parapan. Eles se enxergam e se comportam como atletas de alto rendimento. Quem não conhece pode considerar pretensão ou megalomania, mas tratam-se de pessoas que todos os dias treinam em dois períodos. 

No atletismo, natação e tênis de mesa, as três modalidades com mais competidores em Toronto, há comissões técnicas com profissionais de todas as áreas. Eles coordenam um exigente programa de atividades. Os esportistas também tomam os cuidados de qualquer profissional como preparação física e usam suplementos.

Outra prova da profissionalização é o interesse de empresas privadas em associar o nome aos atletas. Daniel Dias, o dono de nove ouros na natação em Paralímpiadas, tem sete patrocinadores. Sem contar que ainda aparece em propaganda do Bradesco com outros atletas.

Com resultados mais expressivos, é claro que ele ganha melhor que os demais, mas não é um caso isolado de brasileiro no Parapan que vive do esporte.  A maioria da delegação que está em Toronto se mantém sendo atleta. Dirceu Pinto é outro que virou garoto propagando do Bradesco e está no time Nissan.

A principal fonte de remuneração dos esportistas que estão no Canadá é a bolsa pódio, paga pelo governo federal. O valor varia conforme os resultados nas competições e são sempre superiores a R$ 10 mil. Mas para ter direito a esta remuneração o comprometimento precisa ser grande. E este nível de entrega não se aplica apenas aos esportes mais conhecidos.

Antônio Leme, 47 anos, é favorito para medalha de ouro na bocha no Parapan. O status é consequência de treinos de segunda a sexta-feira pela manhã e tarde. A cada dia são ate seis horas tentando melhorar. 

O trabalho começa com fisioterapia, massagem e parte de teoria. O esportista tem um HD externo com 150 gigas de imagens de jogadores de bocha de todo o mundo. Junto com irmão Fernando Leme que é Calheiro, uma espécie de assistente, os vídeos são estudados. 

A intenção da dupla é descobrir as jogadas mais fortes dos adversários e repetir as estratégias deles na cancha para encontrar maneiras de reverter a situação. Outro objetivo e aprender táticas de outros competidores que podem ser adotadas.

Mas tanto comprometimento não significa final do preconceito. Tó, como é conhecido, sofreu paralisia cerebral por falta de oxigenação na hora do parto. Ele perdeu a coordenação motora, não controla braços e pernas, e tem dificuldades para falar. Mas diferente do que muitos pensam isto não necessariamente significa perda da capacidade de raciocínio, que no caso dele está intacta.

Tó lê, joga dominó, xadrez, truco e até arranha algumas palavras de inglês. O atleta usa um celular que fica preso junto a cadeira e com o nariz consegue digitar e fazer ligações e mandar WhatsApp, com atenção especial na escolha dos emojis. Antes de virar atleta, trabalhou vendendo doces e salgadinho em Jacareí, cidade do interior de São Paulo onde mora. A mãe nunca foi de esconder o filho e expôs Antônio ao mundo para que aprendesse a se virar.

Mas ele também esbarrou no preconceito e em situações desconfortáveis. Uma vez entrou na loja para comprar uma roupa e as vendedoras colocaram moedas no recipiente da cadeira de rodas feito para abrigar um copo achando que estava pedindo esmolas. 

O mesmo acontece com alguns motoristas que estão parados no sinal e veem a cadeira elétrica passar perto dos carros. Pior foi quando bandidos tiveram o desplante de roubar um cadeirante.  Mal sabiam que desrespeitaram um atleta de ponta.
 

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