Dono da maior patente militar do Pan não presta continência no pódio
Bruno Doro
Do UOL, em Toronto (CAN)
Júlio Almeida é dono da maior patente militar entre os atletas brasileiros nos Jogos Pan-Americanos de Toronto. Piloto da Aeronáutica, ele é tenente-coronel. Na sexta-feira, ele subiu ao pódio para receber a primeira medalha de ouro de sua vida no evento. Ele foi o campeão da prova de pistola 50 metros. E não prestou continência à bandeira. "É uma coisa pessoal. Eu prefiro colocar a mão sobre o coração. Faço isso em todas as minhas vitórias, desde 1994".
Para Júlio, um dos melhores atiradores do Brasil atualmente, não existe uma obrigatoriedade do gesto em competições esportivas. "A continência é obrigatória quando estamos fardados. Já foi feita uma discussão sobre se os uniformes são fardas. Mas é um uniforme civil. Não estou fardado".
Os atletas que se tornaram militares pensam de forma diferente do militar de carreira. Mayra Aguiar, atual campeã mundial e medalhista de prata no judô do Pan, afirmou que "o quimono é nossa farda. Estamos prestando mostrando respeito ao nosso país".
Essa diferença de ponto de vista, porém, é só isso mesmo. E sobre um assunto que não tira o sono de ninguém. Outro medalhista de ouro no tiro esportivo, na carabina deitada 50m, o major do Exército Cássio Rippel ganhou a sua medalha no mesmo dia de Júlio. Subiu ao pódio minutos depois. E prestou continência. "Acho lindo".
Os próprios militares, que poderiam ver os atletas como intrusos em seu ambiente, são os primeiros a elogiar a chegada dos novatos. Bruno Heck, quinto colocado na prova de carabina deitada de 50m, passou por cinco anos na escola de formação do Exército. Saiu de lá como oficial. Só virou atleta quando começou a se destacar nos treinamentos. Hoje, vive do esporte. "Faço parte da Comissão de Desportos do Exército, baseada na Urca". Ele, porém, não precisa viver no Rio de Janeiro: gaúcho, manteve o Rio Grande do Sul como sua base, incluindo locais de treino.
"Os atletas chegaram às Forças Armadas por um projeto nacional, que tem como objetivo uma boa representação do país nas Olimpíadas. E o Exército sempre apoia o país em qualquer missão. E se o objetivo é esse, temos de dar todo o suporte para que atletas consigam treinar mais e chegar com condições ideais em 2016", completa Heck.
Ele, também, é defensor da continência. "É uma demonstração de civismo e patriotismo. O problema é que, hoje, vivemos no Brasil uma cultura do derrotismo. Do negativo. De gente que tem vontade de falar mal de tudo e de todos que se destacam. Quem está no pódio, demonstra patriotismo e agradece ao país que deu condição para chegar até ali. Como não tem outra coisa para se falar, pegaram esse detalhe para criticar. Mas é um detalhe que é irrelevante perto dos resultados atingidos".
A vida dos militares-atletas, inclusive, é muito próxima dos atletas-militares. Se muitos esportistas admitem que chegaram ao Pan com pouco apoio ou tendo de improvisar para treinar, eles não são diferentes. Júlio Almeida, por exemplo, não tinha um estande de tiro de 50 metros para treinar para a prova em que foi campeão. "Eu consegui treinar apenas nas viagens. Sempre que viajava, naqueles dois, três dias para se adaptar ao fuso, eu aproveitava para treinar nos 50 metros. No Rio de Janeiro, não deu. O Centro Nacional de Tiro foi fechado (para reformas olímpicas) e treinava na Escola Naval e no Fluminense. O estande de 50m da Escola Naval só vai ser inaugurado agora. Só consegui ir uma vez antes de viajar para o Canadá".
"Não é fácil ser militar e esportista. Mas algumas modalidades não existe uma outra opção. Procure atletas civis do tiro. São poucos. Hoje, pela situação conjuntural, principalmente com o desarmamento, os militares são a grande maioria. As Forças Armadas nos dão apoio para poder treinar. Isso acontece com os cinco atletas da seleção que estão aqui (um deles, Emerson Duarte, prata na prova de tiro rápido, também é tenente-coronel, como Júlio, mas do Exército). Quatro dos seis pegaram medalha. As Forças Armadas nos dá tempo para treinar. Quem trabalha e tira um pouquinho do tempo para treinar, nunca vai chegar no nível de quem treina o tempo todo. E se não treinar o tempo todo, como chegar ao patamar de um chinês, de um alemão ou de um russo? Vai ficar sempre no nível sul-americano. Não no mundial. Essa é a vantagem das Forças armadas", analisa. "Sou a favor desse projeto de incorporar os atletas. Hoje, a estrutura esportiva brasileira depende demais dos clubes e de projetos do Ministério do Esporte. Ainda é pouco para o tamanho do brasil. Para o que podemos nos tornar. As Forças Armadas estão dando uma forcinha por esses resultados. Olha a quantidade de atletas que ganharam um suporte a mais para se desenvolver".
Para quem está curioso: os atletas que aceitaram o convite das Forças Armadas se tornam terceiro sargento (do Exército, da Marinha ou da Aeronáutica). A incorporação vale por um ano, renováveis por até nove anos. Todos passaram por treinamentos específicos. Para o Exército, por exemplo, alguns deles encararam cursos de sobrevivência na selva. "Fomos até a Aman (Academia das Agulhas Negras) e aprendemos o que é força de verdade", contou, orgulhoso, Luciano Correa, ouro no judô. Quem passa por isso, está liberado das obrigações militares. Deve apenas treinar e reportar os avanços a órgão competente. E estar disponível para os Jogos Militares. A próxima edição será em 2015, na Coréia do Sul.