"Bernardinho da canoagem" esconde atletas e tira modalidade do anonimato

Daniel Brito e Guilherme Costa

Do UOL, em Toronto (CAN) e Rio de Janeiro

  • Jeffrey Swinger/USA Today Sports

    Erlon de Souza e Isaquias Queiroz conquistaram a medalha de prata da canoagem

    Erlon de Souza e Isaquias Queiroz conquistaram a medalha de prata da canoagem

Atende pelo nome de Jesús o homem que está livrando a canoagem brasileira do anonimato. E ele veio da Espanha, em março de 2013, com o currículo brilhante, com cinco medalhas olímpicas e dez em campeonatos mundiais pela seleção espanhola da modalidade.

Jesús Morlán é o treinador da seleção brasileira de canoagem de velocidade. Desde que aportou no país, a modalidade experimentou resultados nunca antes alcançados.E o treinador tem um modo particular de tratar seus atletas e alcançar seus objetivos. 

No Pan de Toronto, esses alvos começaram a ser conquistados. Foram nove medalhas. Até então, o recorde havia sido no Rio-2007, com um único ouro. A maior esperança de medalha para o Brasil no Rio-2016 está em Isaquias Queiroz, 21,  baiano de Ubaitaba, que já tem no currículo quatro medalhas em Campeonatos Mundiais, duas delas douradas. No Pan de Toronto, ele já faturou o ouro nos 1000m C1 (individual) e 200m C1, e a prata nos 1000m C2 (em dupla).

Para chegar a estas conquistas, Morlán promoveu um exílio voluntário aos nossos melhores atletas da canoa. Instalou-se em uma casa na cidade de Lagoa Santa, a pouco mais de 30 quilômetros de Belo Horizonte. E promoveu uma imersão na canoagem até o Rio-2016 com  Isaquias, além de Erlon de Souza, Ronílson Oliveira, Nivalter Santos.

Jesús Mórlan chegou na esteira dos investimentos de patrocinadores na CBCa. De 2014 até hoje, a CBCa já foi agraciada com mais de R$ 15 milhões do BNDES, por intermédio da lei de incentivo ao esporte do Ministério do Esporte. Pela previsão do COB, a confederação vai ser contemplada com R$ 3.8 milhões da Lei Piva somente em 2015. Além disso, há o contrato recém-assinado com a General Eletrics (GE), cujo valor não pode ser divulgado em razão de uma cláusula de confidencialidade.

Exílio voluntário

A ideia de ir para Minas Gerais foi do espanhol. Ele poderia ter escolhido qualquer outro lugar, como Rio, São Paulo, Paraná, Bahia. Mas preferiu o interior mineiro, para ficar estrategicamente longe dos holofotes.

"Estamos morando em Lagoa Santa, que tem 20 mil habitantes. Moramos no Recanto da Lagoa, um sítio que está bem escondido, e escutamos passarinhos pela manhã. Ali não tem nada para fazer além de treinar e descansar. Não dá nem para ficar preocupado. Estamos num sítio que é muito bonito, mas que é uma gaiola de ouro", explicou ao UOL Esporte, em evento da CBCa em abril deste ano, no Rio de Janeiro.

Sem brincadeiras

Jesús Morlán comanda com disciplina rígida a rotina dos atletas. Seja na água ou dentro de casa. Comportamento que já lhe rendeu o apelido secreto de Bernardinho da canoagem. Mas nenhum atleta tem "coragem" de contar ao técnico.

"O jeito dele, durão e contra brincadeiras, era difícil. O início do trabalho foi bem complicado. A gente sempre gostou de brincadeira, de fazer um ambiente bom com todo mundo, mas ele não era muito disso. Foi uma das primeiras coisas que ele nos falou", relembra Erlon de Souza, prata no pan na canoa dupla (C2) 1000m ao lado de Isaquias. "Ninguém se arrisca a fazer algo fora da linha dele.", completou.

"Não sei se os atletas têm medo de mim, mas isso não me preocupa. O que me preocupa é que tenham qualidade de vida, que tenham melhores resultados e que façam sucesso na vida. Quanto melhores no esporte, mais felizes vão ser. Eu prefiro ter raiva do meu técnico e ganhar uma medalha do que ser superamigo e ficar em quinto", explicou-se Morlán. "Tenho uma boa relação com todos os atletas, mas não gosto de brincadeiras. Corto rapidamente. Não vou mudar minha forma de ser, mas tenho boa relação."

Contrapartidas

Para a confederação brasileira da modalidade, Jesús Morlán é um achado que pode render, pela primeira vez na história, uma medalha olímpica ao Brasil. E justamente em casa, no Rio-2016. "Jesús tem a cultura do esporte de alto rendimento arraigada. Tomamos um choque com os métodos dele assim que chegou no Brasil, porque havia uma diferença muito grande em diversos aspectos ao que se fazia no país até então. Hoje vemos que foi a decisão mais acertada que tivemos", vibra Álvaro Koslowski, chefe da delegação no Pan de Toronto e supervisor da modalidade na CBCa.

A confederação brasileira deu carta branca para Morlán continuar seu trabalho com tranquilidade rumo ao pódio olímpico no ano que vem. Mas, em seu contrato com a CBCa, o espanhol tem por obrigação deixar registrado tudo o que fez na preparação de nossos atletas. "É para que possamos aproveitar toda a experiência e utilizá-la na formação de novos atletas e lapidação de talentos", explicou Koslowski.

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