No Pan-1983, brasileiro fugiu de camburão para escapar de garrafas voadoras
Bruno Doro
Do UOL, em São Paulo
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Arquivo/Folhapress
No Pan de 1983, Agberto Guimarães venceu os 800m, mas teve de sair da pista escoltado pela tropa de choque após trombar com atleta venezuelano
Os Jogos Pan-Americanos de Caracas, em 1983, ficaram marcados pelos primeiros escândalos de doping do esporte nas Américas. Mas, para um corredor brasileiro, o Pan da Venezuela pode ser resumido por duas medalhas de ouro, uma de prata e uma grande história para contar, envolvendo garrafas de rum voadoras, torcedores atirando sapatos para a pista e uma carona no camburão da polícia.
Em 1983, Agberto Guimarães era o grande nome das provas de meio-fundo do atletismo brasileiro. Nos Jogos Olímpicos de 1980, em Moscou, ele tinha sido o quarto colocado nos 800m, melhor resultado do Brasil na prova até então – o título olímpico de Joaquim Cruz viria apenas em 1984, uma Olimpíada depois. Chegou à Venezuela empolgado e, principalmente, muito bem preparado.
Em sua primeira final no Pan, porém, aconteceu "o incidente": nos metros finais dos 800m, Agberto corria à frente do venezuelano William Wuyke. Quando os dois estavam no meio do sprint final, disputando a medalha de ouro, Wuyke se desequilibrou e ficou fora do pódio. Melhor para outro brasileiro, Zequinha Barbosa, e para o norte-americano Stanley Redwine, que seguiram Agberto e ficaram, respectivamente, com a prata e com o bronze.
"No final, todo mundo corre muito junto. E toques acontecem. A torcida viu que eu e o Willy nos tocamos. E a impressão que tiveram foi que eu o derrubei, mas o que aconteceu foi que ele bateu em mim e caiu. Quando terminou a prova, todo mundo queria me matar. Jogaram de tudo na pista. Nos países caribenhos, é normal ver as pessoas tomando aquelas garrafinhas de rum. E eu só via essas garrafas voando por cima da minha cabeça. Tive de sair escoltado pela tropa de choque da polícia, dentro de um camburão. Só conseguimos sair dentro da Vila", conta Agberto.
Matthew Stockman/Getty Images Até hoje me perguntam se eu empurrei o Willy. Não empurrei. Em uma prova, os corredores ficam muito juntos. E toques acontecem sobre a noite em que ganhou o ouro nos 800m no Pan de Caracas e o toque em William Wuyke
O clima de revolta no estádio era tão grande que a cerimônia de medalhas só pode ser realizada no dia seguinte – depois que todos os protestos oficiais dos venezuelanos tinham sido julgados e negados. "O problema é que dois dias depois aconteceu a final dos 1500m. E eu acabei ficando por fora na largada. E os mesmos torcedores que jogaram as garrafas estavam lá de novo, gritando, xingando. Dessa vez, jogaram os sapatos. Eu tinha certeza que não conseguiria correr".
Mas Agberto correu. E, como ele já esperava, venceu novamente. Dessa vez, sem nenhum problema com outros competidores. "Acho que essa vitória apagou um pouco a imagem do primeiro dia. Viram que eu ganhei porque estava correndo muito. Não porque dei uma rasteira no corredor da casa".
A coração daquele Pan, para Agberto, porém, viria no último dia do atletismo no Pan de Caracas. E em uma prova em que ele não conquistou o ouro. Ele foi o terceiro membro da equipe brasileira que terminou em segundo lugar no revezamento 4x400m, atrás apenas dos EUA. Quando a prova terminou, os torcedores invadiram a pista e fizeram festa. "Os mesmos caras que queriam me matar alguns dias antes estavam festejando. Saí só de calção. Levaram camiseta, sapatilha, meia".
"Essa história mostra como a opinião de uma torcida pode mudar, por mais apaixonada que ela seja. Eles me xingaram um dia. Xingaram no outro. Continuaram no terceiro. Mas, no fim, viram que não adiantava. E passaram a apoiar", completa o corredor.
Hoje, Agberto é diretor de esportes do Comitê Organizador dos Jogos do Rio 2016. E garante: não vai ter garrafada na pista do Engenhão no ano que vem.